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Citada por corrupção, empresa que contratou Dallagnol para palestra não foi investigada. Por Joaquim de Carvalho

Jaime de Paula, em entrevista ao Manhattan Conection, da Globonews

Dois dias antes da publicação pela Folha de S. Paulo da reportagem que mostram diálogos comprometedores na relação de Deltan Dallagnol com uma empresa citada na Lava Jato, a juíza Gabriela Hardt assinou um despacho em que sugere ao jornal autocensura e também faz uma ameaça velada.

“Quero crer que, por princípios éticos — antes de qualquer elucubração a respeito de eventual crime pela divulgação de dado eventualmente obtido por meios ilícitos — o órgão de imprensa mencionado deixe de publicar os dados da presente investigação”, escreveu.

Com a publicação da reportagem, a juíza levantou o sigilo, mas nenhum dos documentos tornados públicos indica que a empresa que contratou Deltan Dallagnol para uma palestra esteja sendo investigada.

A citação ocorreu no depoimento do lobista Jorge Luz, que fez o acordo de delação premiada há cerca de três anos.

Também não há nenhum documento que mostre que Deltan Dallagnol pediu, efetivamente, afastamento do processo por suspeição.

Quem diz que ele se afastou foi a juíza, no despacho em que sugeriu à Folha autocensura.

“O processo, no âmbito da Procuradoria da República, foi redistribuído, haja vista que o procurador Deltan Dallagnol havia declarado-se suspeito”, relatou.

Nos papéis tornados públicos, esperava-se que houvesse pelo menos o depoimento do dono da Neoway, citada como beneficiária de propina que teria sido paga a dois deputados federais, Cândido Vacarezza, ex-PT, hoje Avanti, e Vander Loubet, do PT — ambos negam.

O CEO da Neoway, Jaime de Paula, segue na condução da empresa que, depois de se consolidar no Brasil, tem se dedicado à conquista de mercado nos Estados Unidos. Para isso, fez uma captação de 45 milhões de dólares.

Jaime é doutor em inteligência artificial, antigo nome do big data, que é o cruzamento e análise inteligente que se pode fazer dos dados disponíveis, principalmente na internet.

O CEO da empresa é de Florianópolis, dirigiu companhias grandes como a Perdigão e fez doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina.

Pós-graduado, montou o próprio negócio, a Neoway, que há pouco tempo transferiu sua sede para Nova York.

Em uma entrevista que deu ao Manhattan Conection, da Globonews, em 2017, falou que tinha entre seus clientes empresas de petróleo e também da construção civil, áreas que a Lava Jato de Deltan Dallagnol e Sergio Moro atingiu em cheio.

Por essa razão, sob qualquer ponto de vista, a presença de Dallagnol como garoto propaganda da empresa e também como palestrante é absolutamente inadequada.

Jaime mostra que também entende de eleição e, antes mesmo que Bolsonaro fosse eleito com base em uma campanha que teve uso massivo de fake news e robôs, teorizou sobre o tema, na entrevista ao programa da Globonews.

Perguntado se poderia haver manipulação do resultado eleitoral em 2018 a partir do uso das redes sociais, disse que sim.

“Como trabalhar as redes sociais, cada vez mais fortes, e com pessoas gerando muita influência, de um lado e de outro? Pessoas com muitos milhões de seguidores? E se você está seguindo alguém, teoricamente você tem interesse de saber o que aquela pessoa está colocando. E isso pode realmente mudar o destino de uma eleição. Esse ponto eu não consideraria fraude. O que você pode fazer é que não só pessoas fiquem opinando, mas robôs. Você cria robôs, que vão ficar soltando opiniões, vão estar curtindo, vão estar dando likes, vão estar disseminando mais informações. Este outro lado já seria uma fraude tecnológica.”

Quem fez a pergunta no Manhattan Conection foi Diogo Mainardi, dono do site de extrema direita O Antagonista, que apoia Jair Bolsonaro e hoje ataca o Intercept por divulgar as conversas secretas da Lava Jato, que acabaram jogando luz sobre a Neoway, a empresa preparada para multiplicar resultados.

Até onde se sabe, não fez isso em eleição, já que não tem clientes públicos nessa área, embora saiba o caminho das pedras, como a Cambridge Analytica, esta envolvida em campanha política a partir de dados do Facebook.

A Neoway cresceu muito no Brasil, a uma taxa de 50% ao ano, com expediente que, a julgar pelo que disse o lobista Jorge Luz à Lava Jato, não envolveu apenas dados digitais, mas corrupção.

É isso que a Lava Jato deveria investigar, mas, considerando os papéis tornados públicos por Gabriela Hardt, não houve interesse de aprofundar a delação.

Pelo menos até agora.

Joaquim de Carvalho

Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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