Como ministros decidiram transformar Bolsonaro na “Rainha Louca”: continuará na presidência, mas sem poder. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 7 de abril de 2020 às 21:42

As declarações de Bolsonaro para um grupo de evangélicos sobre “estrelas” de seu governo confirmam o que um dos jornalistas mais prestigiados da Argentina disse na sexta-feira: ele não tem mais poder.

Ontem, Bolsonaro disse que usará a caneta para demitir ministros estrelas, que falam “pelos cotovelos”. A frase foi interpretada por políticos como uma referência a Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça.

Quem tem poder não precisa avisar.

Conhecido por revelar o passado de fraqueza do papa Francisco em relação à ditadura argentina, Horacio Verbitsky disse em um programa de rádio que o Brasil tinha o general Walter Braga Netto como “presidente operacional”.

A declaração foi dada na rádio El Destape, em um programa de debate e análise política.

Abaixo, o áudio do comentário do jornalista, conhecido na Argentina por revelar também que militares jogavam presos políticos no rio da Prata, em voos da morte.

“Uma comunicação telefônica de um alto chefe do Exército brasileiro com um alto chefe do Exército argentino, no qual o brasileiro informou que havia tomado a decisão de tirar o presidente Bolsonaro em todas as decisões importantes”, relatou Verbitsky.

Essa frase já foi tornada pública no Brasil pelo site Nocaute na sexta-feira. O que é inédito no Brasil é a revelação de como se tomou essa decisão.

Segundo Verbitsky houve uma reunião do ministro do STF Gilmar Mendes com os ministros Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Walter Braga Netto, da Casa Civil, que estavam na ativa quando foram nomeados para a cúpula do Governo Federal.

O jornalista disse que Bolsonaro não seria deposto, mas que se tornaria uma figura do tipo “monarca constitucional, sem poder efetivo”. O jornalista chegou a usar a expressão “Rainha Louca”, que teria sido usada na reunião dos ministros.

O militar argentino é a fonte de Verbitsky, conforme ele próprio revelou. Esse militar se tornou amigo do alto chefe do Exército brasileiro em missões internacionais.

O jornalista advertiu que não foi uma comunicação oficial de Exército para Exército, mas uma conversa de caráter pessoal.

Evidentemente, ao dar conhecimento dessa conversa a um jornalista, o militar argentino queria tornar pública a decisão tomada no Brasil.

Uma interpretação plausível é que o militar brasileiro queria tornar pública a decisão de transformar Bolsonaro na “Rainha Louca”, mas a partir de uma fonte no exterior. E, para isso, pediu a colaboração do amigo.

“São dois amigos, dois amigos que ocupam cargos altíssimos nas suas respectivas hierarquias”, declarou o jornalista argentino.

O movimento institucional para isolar Bolsonaro começou quando Gilmar Mendes entrou em contato com os militares ministros depois que Bolsonaro ameaçou revogar a quarentena. E também depois que Bolsonaro desafiou a orientação das autoridades sanitárias, inclusive do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com o passeio pelo Distrito Federal, que gerou aglomeração.

A comunicação de Gilmar Mendes foi “para informar que o Supremo não iria permitir que Bolsonaro revogasse a quarentena”. A conversa teria ocorrido sábado da semana retrasada, logo depois do passeio de Bolsonaro.

Participaram da conversa, segundo Verbtsky, os dois militares. O relato do jornalista é feito com detalhes precisos sobre a trajetória de cada um dos envolvidos neste movimento, o que dá ainda mais credibilidade ao relato.

“Braga Netto é um personagem muito importante, Walter Braga Netto. Foi chefe do Estado Maior do Exército até que Bolsonaro, em fevereiro deste ano, o designasse chefe da Casa Civil. Ele passou à reserva do Exército, mas continua sendo uma figura relevante em todas a Forças Armadas.”

Sempre segundo ele, Bolsonaro, a certa altura, participou da reunião (talvez por telefone) e insistiu que iria revogar a quarentena. “Gilmar Mendes insistiu que não iria permitir e disse que, se ele fosse por esse caminho, iria produzir uma grande crise política”, relatou.

A conclusão do encontro é que o ministro Gilmar Mendes sugeriu que se criasse uma espécie de Estado Maior da Presidência, no qual participariam o presidente do STF, Dias Toffoli, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

Para tocar o Executivo, seria designado um “presidente operacional”, que seria justamente Braga Netto. Desde então, “há um presidente operacional no Brasil, que se chama Braga Netto”.

“Isso não implica em deposição de Bolsonaro. A figura que se é usada para se referir à situação de Bolsonaro é Rainha Louca. É Rainha, porém não governa”, afirmou.

O relato do jornalista ganhou ainda mais crédito depois do tuíte publicado no final da noite de ontem por Carlos Bolsonaro, o Carluxo, claramente desequilibrado. Ele disse que há um golpe em curso contra o pai.

“As forças ocultas do establishment se ouriçam como prostitutas baratas no sinal! O cheiro de golpe é mais forte do que o das “pregas” do isentão após ser fortemente arrombado pelo inimigo disfarçado de ‘prudente e moderado’. Cabe ao povo entender o recado e se mobilizar contra!”, escreveu.

O tuíte já não está mais na rede, apagado pelo próprio Carluxo.

Mas o recado foi dado: Carluxo sabe que, um ano e três meses depois de tomar posse, o Mito virou Rainha Louca.

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Segue o áudio de parte da análise do jornalista Horacio Verbitsky:

A íntegra da análise pode ser acessado em outro endereço:

https://ar.radiocut.fm/radiostation/el-destape/listen/1585918542/#

O tuíte de Carlos Bolsonaro: