Delegada Érika Marena, que forjou depoimento na Lava Jato na perseguição a Lula, participou de operação irregular nos EUA a mando de Moro

Atualizado em 23 de fevereiro de 2021 às 6:51
Moro e a delegada Érika Marena

POR GUSTAVO ARANDA e VINICIUS SEGALLA 

A delegada federal Érika Marena participou de uma ação in loco nos Estados Unidos para prender um cidadão brasileiro por meio de um flagrante forjado, mostram documentos obtidos pelo DCM.

O expediente do flagrante forjado consiste em criar uma situação fantasiosa para induzir um suspeito a tentar cometer um crime, efetuando sua prisão logo em seguida. Permitido nos EUA, esta manobra policial é expressamente proibida pela lei brasileira (leia mais abaixo).

Apesar disso, foi autorizada integralmente por Sergio Moro, que não apenas enviou a delegada Érika Marena ao exterior para auxiliar na operação como também, para viabilizar o plano norte-americano, determinou que fossem criados nomes, números de CPF e uma conta bancária falsa no Brasil, para onde foram destinados depósitos ilegais de R$ 100 mil.

O valor foi sacado, com autorização de Moro, pelo delegado federal Algacir Mikalovski (que hoje em dia é representante sindical dos delgados), que teria a incumbência de entregar o valor às autoridades norte-americanas. Mikalovski é o mesmo delegado que recentemente defendeu Jair Bolsonaro em suas redes sociais e que pediu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse transferido para um presídio militar.

Sergio Moro conduziu a maioria dos passos da operação feita em conjunto com os norte-americanos sem antes consultar o Ministério Público Federal na maioria das diligências efetuadas. O órgão é, por lei, quem deve fiscalizar e trabalhar em conjunto com a autoridade policial em ações deste tipo. Apesar disso, o procurador federal que respondia pelo caso em nome do MPF não fez qualquer reclamação.

Seu nome: Deltan Dallagnol.

Assim, se constata que figuras que vieram a ocupar postos chaves na Operação Lava Jato já atuavam conjuntamente e em parceria com autoridades norte-americanas desde, pelo menos, sete anos antes da criação da força-tarefa do MPF-PR.

Essas informações, parte delas trazidas à luz em reportagem dos Jornalistas Livres de junho de 2017, constam nos autos do processo nº. 2007.70.00.011914-0, que correu sob a fiscalização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região até 2008, quando a competência da investigação foi transferida para a PF, o MPF e a Justiça no Rio de Janeiro.

Na realidade, ali deveriam ter começado, já que nunca houve nenhum suspeito residente no Paraná envolvido no caso. Até hoje, permanece um mistério o motivo que levou as autoridades dos Estados Unidos a buscar na vara de Sergio Moro a autorização que queriam.

Em 2011, o caso inteiro foi arquivado no Brasil, visto que instâncias superiores da Justiça brasileira não encontraram motivos para que a operação tivesse se dado por meio da Polícia Federal no Paraná, além de ter apontado uma série de irregularidades durante a condução da investigação policial.

Quando Moro autorizou o flagrante forjado do qual Érika Marena tomou parte, alegou que a investigação serviria para desbaratar uma organização criminosa de lavagem de capitais que atuava por meio de empresas e operadores brasileiros. Com as irregularidades identificadas no processo, tudo foi arquivado e ninguém foi preso no Brasil.

A ação integrada com os EUA, em solo brasileiro, sob a lei americana

A ação ocorreu em 2007. No dia 14 de março daquele ano, autoridades do DHS (Department of Homeland Security) procuraram a Polícia Federal no Paraná (sem nenhuma indicação do motivo que levou à escolha específica desta superintendência estadual), na pessoa do delegado Algacir Mikalovski, solicitando ajuda para prender um cidadão brasileiro suspeito de evasão de divisas nos EUA.

Ao receber o pedido, o delegado federal foi direto a Sergio Moro, que autorizou o envio de dados sigilosos do suspeito brasileiros à autoridades policiais norte-americanas que o investigavam por remessa ilegal de dinheiro ao Brasil, e estavam preparando um flagrante.

Delegado da PF vai direto a Sérgio Moro, sem passar perlo MPF, pedir para o juiz solicitar à Receita Federal a emissão de um CPF para ajudar autoridades norte-americanas a prender um brasileiro

Sem informar autoridades do governo federal brasileiro, o juiz paranaense foi, na sequência, atendendo a todos os pedidos estrangeiros, determinando ainda que fossem criados no Brasil um CPF e uma conta bancária falsa para uso da polícia dos Estados Unidos.

O Ministério Público Federal só tomou ciência do caso mais de dois meses após o juiz ter deferido integralmente as solicitações da polícia norte-americana. O próprio juiz Moro admite que deixou de informar o MPF no tempo devido. Quando o fez, registrou que entregou os documentos diretamente ao procurador federal “DD”, querendo dizer Deltan Dallagnol.

 

O plano norte-americano era o seguinte: eles suspeitavam que um cidadão brasileiro residente nos EUA estava realizando remessas ilegais de dinheiro para o Brasil. Pelas investigações conduzidas naquele país, o suspeito oferecia seus serviços de remessa ilegal de divisas utilizando uma rede de empresas laranjas para por fim depositar o dinheiro a ser evadido na conta determinada pelo cliente do crime.

Assim, visando forjar um flagrante e prender o suspeito, os norte-americanos montaram um plano:

  • Um agente infiltrado entraria em contato com o suspeito dizendo querer transferir um valor correspondente a R$ 100 mil para o Brasil. O dinheiro seria fornecido pelo DHS.
  • A Justiça brasileira providenciaria um CPF, um cartão de banco e uma conta bancária falsos ao agente norte-americano. Eles seriam fornecidos ao suspeito, para que este realizasse a remessa ilegal e fosse preso.
  • Um delegado federal de Curitiba iria até o banco, sacaria o dinheiro e devolveria às autoridades norte-americanas.

Sem consultar o Ministério Público ou qualquer autoridade brasileira, Moro atendeu a todos os pedidos dos norte-americanos. Enviou, ainda, a delegada Érika Marena para participar das diligências nos Estados Unidos. Enquanto esteve lá, ela prestou contas diretamente ao juiz Sérgio Moro sobre o andamento das operações, como se vê no exemplo abaixo, em correspondência diretamente enviada ao magistrado, e constante no processo ao qual o DCM teve acesso.

“Senhor Juiz,

Serve o presente para encaminhar o relatório COMPLETO dos últimos três períodos dos monitoramentos levados a cabo, incluindo o resumo das conversas em inglês numa tradução livre feita pela signatária (delegada da PF do Brasil).”

“A signatária foi informada pelo Agente Especial do DHS/ICE/Atlanta que a operação para a prisão do alvo XXXXX ocorrerá no próximo dia XXXX, incluindo busca e bloqueio de contas. Já há autorização para o compartilhamento dos dados com esse Juízo”.

“A signatária esteve na cidade de Atlanta-Geórgia no mês de agosto, por convite do governo americano, e acompanhou várias diligências relacionadas a tal operação conjunta com o DHS/SAC/Atlanta.”

A ação que Moro permitiu é prevista pela legislação norte-americana, trata-se da figura do agente provocador: o policial que instiga um suspeito a cometer um delito, a fim de elucidar ilícitos maiores praticados por quadrilhas ou bandos criminosos.

No caso em questão, o agente norte-americano, munido de uma conta falsa no Brasil, induziu o investigado nos EUA a cometer uma operação de câmbio irregular (envio de remessa de divisas ao Brasil sem pagamento dos devidos tributos).

Ocorre, porém, que o Direito Brasileiro não permite que um agente do Estado promova a prática de um crime, mesmo que seja para elucidar outros maiores. O máximo que prevê a legislação brasileira é a chamada “Ação controlada”, quando se permite que o agente policial acompanhe a ação criminosa sem tentar detê-la, a fim de obter provas irrefutáveis do delito.

Não tem nada a ver com o que foi feito. Sobre isso, a Súmula 145 do STF é taxativa sobre o assunto:

“Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.”

Ou seja, quando aquele que tenta praticar um delito não tem a chance de se locupletar por seus atos, caindo apenas em uma armadilha da polícia, o crime não se consuma.

É o que explica o advogado criminalista André Lozano Andrade, coordenador do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais): o agente infiltrado não deve ser um agente provocador do crime, ou seja, não pode incentivar outros a cometer crimes.

“Ao procurar uma pessoa para fazer o ingresso de dinheiro de forma irregular no Brasil, o agente está provocando um crime. É muito parecido com o que ocorre com o flagrante preparado (expressamente ilegal), em que agentes estatais preparam uma cena para induzir uma pessoa a cometer um crime e, assim, prendê-la. Quando isso é revelado, as provas obtidas nesse tipo de ação são anuladas, e o suspeito é solto”, expõe Lozano.

Se a lei brasileira não prevê, Moro usa a dos Estados Unidos

Ciente de que não havia como justificar pela lei brasileira os atos que perpetrava a Polícia Federal sob sua anuência, o então juiz Sérgio Moro fez uso da jurisprudência norte-americana para sustentar sua decisão:

A manobra de Moro serviu para que ele mesmo aprovasse as ações da PF brasileira nos EUA, mas não para que o processo prosperasse até o final. A prática de sistematicamente conduzir a investigação alijando o titular da ação penal (O MPF) do processo, não passou despercebida pela Defesa de um dos acusados no processo, que fez constar nos autos, chamando a procuradoria no Paraná de “marido traído”:

Chama a atenção nos autos que o advogado em questão, já em 2007, antes que sequer se aventasse a hipótese de criação da Operação Lava Jato, já identificava os métodos pouco ortodoxos de trabalho em conjunto e pouco atento às leis que praticavam Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. O advogado, por fim, afirma o que muitos depois dele vieram a afirmar ao longo dos anos seguintes: que Sérgio Moro agia não como um juiz de Direito, mas como um “homologador automático de toda a qualquer pretensão do MPF ou da Polícia”.

Assim, pelo menos toda esta operação conduzida por Moro e sua equipe, terminou arquivada, porque ilegal. Se o mesmo vai ocorrer com a Lava Jato, só o tempo dirá.

Por ora, o que se sabe é que o agora Ministro da Justiça Sérgio Moro acaba de autorizar nova ida de Érika Marena aos Estados Unidos, para “visitas institucionais em Washington e em Nova York”. Pelo jeito, as ações do grupo paranaense com seus colegas norte-americanos estão longe de acabar.

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O DCM entrou em contato por telefone com o Ministério da Justiça para que Sérgio Moro pudesse comentar o assunto abordado nesta reportagem.

A assessoria do órgão solicitou que as perguntas fossem enviadas por email, o que foi feito no mesmo dia, com os questionamentos abaixo:

Em relação ao processo nº. 2007.70.00.011914-0:

– Qual a sustentação legal para a solicitação do juiz Sérgio Moro para que a Receita Federal criasse CPF e identidade falsa para um agente policial dos Estados Unidos abrir uma conta bancária no Brasil em nome de pessoa física inexistente?

– Por que o juiz Moro atendeu ao pleito citado acima, originário da Polícia Federal, sem submetê-lo, primeiramente, à apreciação do Ministério Público Federal, conforme determina o ordenamento em vigor no país?

– Por que o juiz Moro não levou ao conhecimento do Ministério da Justiça os procedimentos que autorizou, conforme também prevê a legislação vigente?

– Por que a escolha da delegada Érika Marena para o Coaf? Por que a indicação de uma policial para um órgão de natureza burocrática? Por que a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça, quando sempre esteve subordinado a pasta que cuida da fazenda? 

Até a publicação desta reportagem, não houve qualquer resposta.