Douglas (1996-2013) e o mundo estranho em que ele viveu e morreu

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:23
Quem protegeu Douglas?
Quem protegeu Douglas?

Como tantos brasileiros vítimas da violência do Estado, Douglas Rodrigues morreu, aos 17 anos, sem saber por quê.

Mas teve algum tempo para tentar saber.

Segundo sua mãe, perguntou ao PM que o matou por que atirou nele naquele domingo na sofrida, esquecida, pobre Vila Medeiros, na Zona Norte de São Paulo.

Amarildo teve tempo de fazer a mesma pergunta, no Rio de Janeiro? Me ocorre essa pergunta tola neste momento.

E depois os “vândalos”, “baderneiros”, “arruaceiros”, “bandidos” entraram em cena para protestar contra a morte de Douglas. Imagino que gostassem que os manifestantes evitassem pisar na grama.

Este é o Brasil de 2013.

A culpa dos protestos é dos “vândalos”, e não daquilo que encheu de indignação e raiva os “baderneiros” pela violência, pela injustiça, pela crueldade – não esporádica, não eventual, mas contínua.

Algum tempo atrás, em Londres, tumultos tomaram a cidade depois que um jovem negro levou um tiro fatal de um policial branco num carro em circunstâncias malexplicadas.

A polícia agiu para coibir os tumultos, mas o foco dos debates foi: como aquela morte pôde ter ocorrido? A mídia destacou o fato de que a desigualdade social em Londres avançava para níveis vitorianos, e isso significa sempre a possibilidade de convulsões sociais.

E entendamos: em Londres, casos como o de Douglas são raros. Estão distantes do cotidiano de uma cidade em que a polícia sorri para você.

A mídia brasileira contribui para que não se discutam os protestos em profundidade ao criminizá-los.

Alguma coisa pode estar mudando?

Leio, animado, que um comentarista da Globonews decidiu abandonar a emissora pelo teor da cobertura dos protestos. Eles são criminalizados, em vez de ser estudados e entendidos, alegou o comentarista.  Seu nome é Francisco Carlos Teixeira, e ele é professor da UFRJ. “O jornalismo se esqueceu de narrar a violência cotidiana dentro de trens, ônibus, repartições públicas, hospitais e escolas contra a população trabalhadora do país”, disse Teixeira para explicar sua decisão.

A própria esquerda, ou parte dela, contribui para a criminalização das manifestações. Por trás delas, segundo essa esquerda, estão “vândalos” – a palavra é a mesma da direita – interessados em desestabilizar o governo de Dilma.

E assim a discussão escorrega dos Douglas, dos Amarildos, de tantos outros brasileiros assassinados sem saber por que por um Estado violento – e vai dar na sabotagem de grupos, especialmente os abominados black blocs, ao PT.

Daqui de meu canto, emito um lamento impotente. Gostaria que passados dez anos de governo popular em que os avanços sociais são expressivos, garotos como Douglas Rodrigues estivessem mais protegidos.

E também os Amarildos. E também os índios. E também os desvalidos cujas casas foram arrancadas deles nas obras da Copa do Mundo.

E tanta gente.

No mais, no terreno das palavras, faço meu um anseio expresso pelo cartunista Carlos Latuff pouco tempo atrás.

Que Dilma, em sua conta conta no twitter ou onde seja, expresse sua solidariedade firme e indignada à família de Douglas, assim como fez no caso do coronel da PM que levou uma surra. (Nota do redator: algumas horas depois de publicado este texto, Dilma lamentou a morte do garoto.)

Foi uma surra lastimável, é certo, mas o coronel está vivo, vivíssimo, pronto para retomar suas atividades – ao contrário do garoto da periferia que perguntou por que levou um tiro.

dilma-se-solidariza-com-coronel-pm-agredido-em-manifestacao