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Livro revela a carreira diplomática de João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999). Foto: Divulgação

Da BBC:

Ao longo de sua carreira diplomática, que durou de 1945 a 1990, quando se aposentou, o poeta pernambucano morou em 14 cidades: Barcelona, Londres, Brasília, Sevilha, Marselha, Madri, Genebra, Berna, Assunção, Dacar, Quito, Tegucigalpa, Porto e Rio de Janeiro.

Sempre que tinha que alçar voo, o autor de Morte e Vida Severina (1955), que faria 100 anos nesta quinta-feira (9), tomava algumas precauções. Uma delas era embarcar sozinho. Primeiro, viajava o poeta; depois, a família.

“Segundo ele, morreria num desastre de avião”, relata a escritora, cineasta e tradutora Inez Cabral no livro A Literatura como Turismo (2016), antologia que mescla os versos do pai com as memórias da filha. A outra técnica de enfrentamento era só entrar no avião depois de tomar umas doses de uísque para relaxar.

João Cabral de Melo Neto tinha 25 anos quando ingressou no Itamaraty. Para passar no exame do Instituto Rio Branco, estudou com o filólogo Antônio Houaiss, com quem dividia um apartamento no Rio. Como a grana era curta, aprendeu francês, inglês e espanhol por conta própria, lendo muito.

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Um de seus passatempos favoritos era assistir às touradas. “O poeta é como o toureiro”, comparou, certa vez. “Precisa viver medindo forças com a morte, ou não vive”.

Foi nessa época, enquanto morava na Catalunha, que o poeta pernambucano, então com 27 anos, conheceu e tornou-se amigo de Joan Miró, de 54.

“Por meio de sua inteligência estética, conquistou a amizade de um dos maiores artistas catalães de todos os tempos. Na ocasião, Miró já era um pintor consagrado e vivia perseguido por Franco e sua milícia”, relata Valéria Lamego, doutora em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e organizadora do livro Joan Miró (2018).

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“Traidores no Itamarati”

Em 1950, João Cabral foi transferido para Londres. Lá, gostava de ler os poemas de Dylan Thomas, curtir os filmes de Alfred Hitchcock e assistir aos jogos do Chelsea.

“O clima londrino não recomenda a vida ao ar livre”, observa Castello. “O trânsito é lento, as calçadas, estreitas e o frio, intenso”.

Certa vez, um de seus poemas foi traduzido para o inglês, pela escritora americana Elizabeth Bishop. O poeta nem se deu ao trabalho de conferir o resultado: “Escrevo para ser lido em português. Em português, não. Em nordestino”.

Ele estava em Londres quando foi acusado de subversão, em 1952. O episódio teve início quando enviou uma carta a outro diplomata, Paulo Cotrim Rodrigues Pereira, lotado em Hamburgo, na Alemanha, encomendando um artigo para ser publicado em uma revista do Partido Trabalhista Inglês.

A correspondência foi interceptada por um terceiro diplomata que, desconfiado da existência de uma célula comunista no Itamaraty, enviou uma cópia da carta ao Estado-Maior do Exército e outra para o jornalista Carlos Lacerda, que publicou a denúncia na edição do dia 27 de junho do jornal Tribuna da Imprensa. “Traidores no Itamarati”, estampava a manchete.