Apoie o DCM

Presidente do TRF-4 tenta emparedar o STF e defende que escutas não sejam usadas para libertar Lula

Catarinense de Joaçaba, Victor Laus foi um dos três integrantes da 8ª Turma do TRF-4 a confirmar a condenação de Lula à prisão no caso do tríplex no Guarujá. Foto: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO TRF-4

Reportagem de Luiz Antônio Araujo na BBC Brasil.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) está cercado. Não por batalhões de repórteres e veículos de TVs e rádios como em 24 de janeiro de 2018, quando a 8ª Turma da corte julgou recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à condenação em primeira instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Desta vez, são gaúchos vestidos a caráter e cavalos que rodeiam a sede do tribunal, na orla do lago Guaíba, em Porto Alegre.

O TRF-4 é vizinho do parque da capital que abriga anualmente o acampamento comemorativo do 20 de Setembro, feriado estadual que celebra uma revolta contra o Império brasileiro no século 19.

Num amplo gabinete no nono andar do tribunal, o presidente da corte, desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, não se perturba com o cerco. Sua atenção está envolvida por um problema mais incômodo: a proximidade de 2020, ano em que restrições orçamentárias previstas na Emenda Constitucional do Teto de Gastos entrarão em pleno vigor.

(…)

Questionado sobre a declaração do ministro do STF Gilmar Mendes de que “devemos a Lula um julgamento justo”, Laus lembra que o magistrado participou de julgamentos da defesa do ex-presidente: “Se, por um motivo ou por outro, ele entendeu que o julgamento não foi justo, é uma questão pessoal dele. Mas, na verdade, várias demandas do ex-presidente chegaram ao Supremo Tribunal Federal e lá foram decididas”.

Segundo o presidente do TRF-4, Gilmar pode estar sinalizando que mudou de opinião. “Eventualmente, é possível que os juízes, com o tempo, mudem suas compreensões. Alguns evoluem de ponto de vista, passam a ver a controvérsia sob outra ótica. Talvez ele esteja assinalando nesse sentido: ‘Em que pese eu tenha votado mais num outro momento dessa forma, agora estou compreendendo a controvérsia de um outro ângulo’. Talvez ele esteja já anunciando isso. É o tipo de pergunta que você tem de fazer a ele”, afirma.

A respeito dos diálogos de Moro e de procuradores da força-tarefa da Lava-Jato publicados pelo site The Intercept Brasil e outros veículos, Laus diz que o debate “está um pouco fora de foco”. E completa: “Voltando ao entendimento do ministro Gilmar de que o ex-presidente teria de ter tido um julgamento justo, se vamos trabalhar em sentido de justiça, temos de trabalhar em todos os âmbitos. É justo alguém invadir a privacidade de um terceiro e, mediante essa invasão, que é criminosa, divulgar o conteúdo dessa mesma invasão? Essa é a questão que se coloca. Me parece que o debate está ignorando um tropeço inicial”.

Segundo o desembargador, o fato de os áudios terem sido obtidos por meio de interceptação não autorizada pela Justiça impede até mesmo o início de uma apuração sobre o caso. “Temos de ser coerentes naquilo que nós fazemos. Qualquer juiz, quando está diante de uma prova inválida, tudo que vier a partir dela não tem validade. Diuturnamente, no Tribunal, anulamos várias investigações derivadas de prova ilícita. Nesse caso, nós não podemos sequer começar uma investigação porque tudo se origina de uma prova ilícita, uma invasão de privacidade daqueles usuários do aplicativo Telegram”, sustenta.

E provoca: “A grande pergunta que se deveria fazer ao cidadão que fez isso é: e se fosse o seu celular hackeado, você não seria o primeiro a dizer ‘Invadiram minha privacidade, quero minha segurança’?”.

O fato de participantes dos diálogos terem afirmado que não há nada de ilícito nos registros e de uma procuradora ter feito um pedido público de desculpas a Lula por comentários por ocasião da morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia da Silva não abala a convicção do presidente do TRF-4. “Não saberia dizer se, a partir de um diálogo particular, nós podemos dizer que todo o restante, digamos assim, tem a mesma natureza”, afirma.

Laus lembra que Moro já respondeu por suspeitas de parcialidade na Lava Jato e foi inocentado, acrescentando que os vazamentos teriam oportunizado uma “repescagem” daqueles episódios. “Se dizia que o magistrado (Moro) tinha um papel que não era muito apropriado para um juiz, que tinha um certo ativismo. Todos esses fatos foram objetos de defesa dele. Ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato, e ele já o foi”, conclui.

(…)