Evo paz e amor: ‘Precisamos repactuar o país e garantir o mandato de Arce’. Por Charles Nisz

Atualizado em 21 de outubro de 2020 às 21:27
Evo Morales. Foto: AFP

Numa versão andina do “Lulinha paz e amor”, Evo Morales acredita numa repactuação da Bolívia após a vitória acachapante de Luis Arce.

No domingo, Arce, também do Movimento al Socialismo (MAS) foi eleito com 55% dos votos, um ano após o golpe que tirou Morales da presidência.

“Precisamos repactuar o país, Lucho (Luis Arce) precisará conversar com empresários, movimentos sociais, indígenas e com os partidos de direita”, diz Evo. “A Bolívia irá encarar momentos duros, precisa retomar o crescimento econômico e pensar em como lidar com o pós-pandemia”.

Evo falou em live no Opera Mundi com Breno Altman nesta quarta-feira, 21, com transmissão pelo canal DCM TV. Comentou a vitória de seu correligionário:

“Significou a derrota dos golpistas que me derrubaram em 2019”, disse. “Democraticamente, derrotamos os golpistas. Com a unidade do povo, com essa convicção revolucionária, com esse alto espírito democrático e pacifista, democraticamente derrotamos os golpistas e as políticas dos Estados Unidos. Fiquei surpreendido pela união do meu povo. Foi impressionante a vitória. Creio no movimento indígena, nas forças sociais do meu país”, afirmou.

Evo gastou boa parcela da entrevista comentando sua renúncia em 2019.

“O golpe de 2019 também foi um golpe ao lítio. O poder é de quem controla os recursos naturais”.

A fala é uma referência ao interesse de Elon Musk, empresário da montadora Tesla no lítio, matéria-prima das baterias de carros elétricos.

O golpe contra o índio (uma metáfora para ele mesmo e a população boliviana) “foi um golpe racista e violento”, diz Evo.

Fomentar mais participação popular, especialmente dos jovens, é a receita do ex-presidente para evitar um golpe contra governos eleitos – caso dele e de Dilma Rousseff:

“Temos que aumentar a unidade nacional e incluir os jovens na política – eles não viveram o neoliberalismo nos anos 1980 e 1990 e não conhecem a história de entreguismo da direita no continente”, ensinou. “Democracia não é apenas votar no dia da eleição”.

Questionado se ocuparia cargo no governo ou se candidataria a outro cargo, Morales disse que não:

“Quero voltar para o meu sítio, no trópico de Cochabamba (norte da Bolívia) e trabalhar na agricultura e criar tambaquis (peixes). Daí você (Altman) pode me visitar e trazer Lula” – Evo aproveitou para parabenizar o amigo e ex-presidente brasileiro que completa 75 anos no dia 27.

Economia e soberania na América Latina

Segundo ex mandatário boliviano, a receita de austeridade econômica, nacionalização de recursos naturais e redistribuição de renda precisará ser feita de um modo um pouco diferente por Arce:

“O novo cenário exigirá a industrialização da Bolívia. Precisamos usar ciência e tecnologia de modo a garantir liberdade política e econômica do nosso país e da América Latina como um todo”.

A pandemia, segundo Evo, mostrou a importância do papel do Estado na política e na economia:

“O Estado começa os investimentos, mas as empresas vêm junto e as escolhas delas serão respeitadas. Mas o Estado não pode ser apenas regulador – o FMI quer isso: um Estado morto. Um Estado que não investe, não produz. O golpe é também contra um modelo econômico – de que outra Bolívia é possível”.

A relação do país andino com os outros países do continente também foi tema da entrevista.

“Não podemos ter restrição ideológica. Vamos falar com todos, da esquerda à direita. De Alberto Fernandez (presidente argentino) a Ivan Duque (presidente colombiano)”.

Sobre Bolsonaro, Evo adotou o mesmo tom:

“Sempre tivemos boas relações comerciais e políticas com o Brasil. Vamos manter isso com Bolsonaro”.

Perguntado se a eleição norte-americana influencia os rumos do continente, mostrou reserva e ceticismo.

“É certo que a eleição no país mais rico do mundo influencia a América Latina. Mas escolher entre Trump e Biden é escolher entre a extrema-direita e a direita. Quem comanda a democracia norte-americana são os interesses das multinacionais dos EUA – e para nós interessa manter a soberania”.