Nas ruas, povo de Jaraguá do Sul encara pontapé em Míriam Leitão como piada. Por Renan Antunes

Atualizado em 17 de julho de 2019 às 19:52
Míriam Leitão não é bem-vinda aqui (FOTOS Ramiro Furquim/@outroangulofoto)

Por Renan Antunes, em Jaraguá do Sul (SC)

É um fenômeno econômico recente, que não poupa ninguém: está difícil viver de palestras hoje em dia.

Miriam Leitão é a vítima da hora.

Ela perdeu 5 mil reais, desconvidada que foi pela organização da Feira do Livro de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, onde deveria falar na primeira semana de agosto.

A jornalista da Globo teve seu nome rejeitado com mais furor do que o do jornalista americano do Intercept, Glenn Greenwald,  em Paraty, dias atrás.

Em números: ela foi arrasada por um abaixo assinado com 3470 xamegões e 800 posts com ameaças e ofensas em menos de 12 horas, na segunda-feira, dia 15.

As ofensas eram pesadas, a menor era tipo aquele animal sagrado da Índia.

As ameaças eram de quebrar tudo se ela ousasse pisar no pátio da SCAR, onde se realizará a feira.

“Eu não esperava esta reação, tivemos que cancelar tudo”, conta João Schiodini, organizador da feira – em seu escritório de uma sala, de onde comanda a pequena editora Design.

A idéia de trazer Miriam para a feira foi do sócio dele, o escritor Carlos Schroeder (nenhum parentesco com o ex-diretor global): “Eu vi ela e o marido (Sérgio Abranches, também enxotado da cidade sem ter pisado nela) em Minas Gerais e achei interessante”, desculpa-se.

O coronel Amarildo, comandante do 14º Batalhão da PM, disse que se ela viesse a SC não haveria problema porque ele já protegeu aqui outras celebridades, entre elas FHC e presidenciáveis em campanha, sem incidentes.

Schroeder, organizador da feira: “Eu não esperava esta reação”

Sensação do repórter: ML poderia ter vindo, afinal, entre as cidades com mais de 100 mil habitantes, Jaraguá (com 170 mil) é a mais segura do Brasil “graças a sua população ordeira e pacata”, como garantiu o coronel Amarildo.

Nas ruas, a população não engajada na disputa recebe o pontapé em Miriam como piada.

O casal de empresários Márcia e Geraldo está dividido. Ela ri e acha que a global pode pisar na terrinha, por ele, um bolsonarista convicto, ela pode ficar longe.

Na biblioteca pública, seis estudantes se dividiram igualzinhas, 3 a 3. Uma professora carrancuda levantou ao ouvir o nome de ML e saiu sem dar resposta. 

Então o que foi que pegou pra essa onda anti-Miriam e seu marido ?

Tudo começou com o abaixo assinado organizado por um advogado da cidade. Vapt vupt e todo mundo que pegou a lista assinou embaixo. 

O que desgostou a turma ?

Críticas que ela fez, faz e possivelmente fará ao presidente Bolsonaro.

A cidade deu 82 por cento de votos ao homem e não gosta do “comunismo” de Miriam.

O casal de empresários Márcia e Geraldo

Foi aí que o simples anúncio do nome dela provocou a revolta na web e chegou às ruas: “Temos medo que 3 mil pessoas com vuvuzelas venham tumultuar a feira, este povo é capaz disso”, afirmou Schroeder, dizendo-se assustado com os adeptos de Bolsonaro das redondezas.

Jaraguá do Sul está ao lado de Pomerode, a cidade mais alemã do Brasil, e também tem população de origem germânica.

Tem pleno emprego, nenhuma criança sem escola, índice de violência baixíssimo, remédio nos postos de saúde e até – pasmem – médicos!

Daí que o povo alemão não quer saber de ninguém que sacuda o barco.

Os pelotões de defesa virtual do bolsonarismo podem partir pra porrada?

Os organizadores da feira têm motivos para acreditar que sim.

Temem violência, citando bolsões insignificantes de petistas que foram hostilizados na campanha eleitoral.

Os donos da editora passaram a quarta-feira dando entrevistas e tiveram que fechar sua sala no meio da tarde – parece que pressões da prefeitura fizeram Schiodini e Schroeder mudar o discurso.

Terra de contrastes

Talvez os cidadãos de bem da cidade tenham que reconvidar Miriam para uma visita com honras municipais: as autoridades estão preocupadas com possíveis retaliações na TV.

Miriam deu sua resposta pela CBN assim que soube que perdeu o cachê.

“A gente nem ia lá falar de assuntos polêmicos, e sim sobre o que nos levou aos livros, o que nos transformou leitores e escritores, os livros que escrevemos, amamos e que nos aproximam”, falou.

“O assunto era biblioteca afetiva. Estávamos entusiasmados com a ideia de falar porque seria muito bom isso”.

“Mas, aí, a intolerância venceu desta vez. O livro sempre foi tratado como uma ameaça, né? Principalmente contra mentes autoritárias”.

Em tempo: Sérgio Abranches também perdeu cachê de 5 mil.

Os livreiros ficaram com o prejuízo das passagens aéreas, que já estavam compradas.

Jaraguá do Sul é quase bonita
Rio Itapocu e Morro da Boa Vista
A Biblioteca Pública Municipal