No Brasil, cafetão tem ciúme, pobre é de direita e Aguinaldo Silva se acha intelectual. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 2 de janeiro de 2020 às 20:35
Aguinaldo Silva serve lixo

Aguinaldo Silva perguntou no domingo passado, no Twitter, por ocasião do Dia do Leitor, qual foi o último livro que Lula leu e quando. “Ou para ser mais preciso: alguma vez na vida ele leu algum livro?”

Questionado por outras pessoas, rebateu que “um cara analfabeto não é a pessoa mais habilitada para se tornar o Presidente de um país complexo como é o Brasil. Reconhecer este fato é ser lúcido, não é ser preconceituoso”.

Noves fora a provocação baixa e tola — Temer tem quatro obras publicadas, Sarney ocupa a cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras desde 1980 —, é o caso de se perguntar o que Aguinaldo fez pela cultura brasileira que lhe permite dar lições de moral ou, mesmo, de se considerar lúcido.

A resposta é: lixo.

Aguinaldo Silva é tido como um case de sucesso em sua área.

Segundo a imprensa especializada, seu último êxito foi um negócio chamado “Império”, que terminou com a segunda pior média na história das novelas das 21h (46 pontos no último capítulo).

Numa entrevista, declarou que “há um momento em que você percebe que o telespectador embarcou e você pode fazer qualquer coisa”, referindo-se a uma personagem que trocou de atriz no meio da trama, numa boa.

É uma confissão de como subestimar a inteligência alheia e se orgulhar disso.

“Daqui a 50, 60, 80 anos, quando as pessoas quiserem saber como era o Brasil, elas vão ver as telenovelas”, falou ainda. “É lá que está o Brasil. Não está na literatura, no teatro, nada disso”.

Pobres Machado, Drummond, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Raduan Nassar, Glauber Rocha, Zé Celso etc etc.

Hemingway, no auge de sua fanfarronice, nunca afirmou nada parecido sobre seu papel na literatura americana. Tolstoi jamais falou nada nesse sentido sobre a Rússia. Nem Balzac sobre a França.

Mas quem são eles perto de Aguinaldo, afinal?

A internet trouxe consigo os canais por streaming e a popularização das séries.

O sujeito pode comparar texto, atuação ou direção dos folhetins de gente como Aguinaldo com os dos seriados. O baixo nível do que Aguinaldo e colegas fazem ficou explícito. Hoje o espectador tem opção.

O problema não é ser popular. Até ser consagrado pelos cineastas da Nouvelle Vague, Hitchcock era desdenhado como muito “comercial”.

Ao descrever seu ofício, dizia que “um bom filme é quando o preço do jantar, do ingresso e da babá valem a pena. A duração deve estar diretamente relacionada à resistência da bexiga humana”. Simples.

A decadência das telenovelas passa por servir um prato requentado para plateias que, acham os produtores, engolem qualquer porcaria perpetrada por escritores sem talento, pretensiosos, que recebem salários surreais — e que reivindicam o papel de porta vozes da nação.

Atualizando Tim Maia, o Brasil não pode dar certo. Aqui, puta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia, pobre é de direita e autor de novela vagabunda se considera intelectual.