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A lição dos policiais suecos que estavam de férias em Nova York

 

Quatro policiais suecos ficaram famosos depois de separar uma briga no metrô de Nova York. O grupo, de férias, estava a caminho do musical “Les Misérables” quando ouviu o operador perguntando se havia policiais no trem.

Eles foram para o vagão indicado e dominaram um morador de rua que espancava outro. Parte da ação foi filmada e chamou atenção pela gentileza, técnica e principalmente pelo saldo: o agressor, negro, foi detido com vida e a princípio sem lesões graves.

Rapidamente surgiram na internet comparações entre a conduta dos suecos e as recorrentes mortes de negros nas mãos de policiais brancos. Houve quem sugerisse, pelo Twitter, que eles treinassem a polícia de NY ou que policiais americanos passassem uma temporada na Suécia aprendendo a manter a ordem sem humilhar, espancar ou matar. Ganharam status de heróis e homenagens até da polícia local.

Em meio aos elogios apaixonados, uma internauta postou o tweet definitivo sobre o caso:

“Os policiais suecos são excepcionais mas não são heróis. Eles são bem treinados, calmos, e não são agressivos sob pressão: profissionais”.

Calma, profissionalismo e certo traquejo escandinavo faltaram aos policiais de São Paulo que atuaram na ocorrência que matou o refém Osvaldo José Zaratini, confundido com um criminoso.

Zaratini foi abordado por um assaltante em fuga, que o rendeu e o obrigou a dirigir até um hospital. Policiais militares localizaram e interceptaram o carro. Durante a abordagem, o assaltante saiu da picape atirando, segundo a polícia, e a vítima desembarcou com o celular nas mãos. Ambos foram alvejados pelos homens da lei. Zaratini levou cinco tiros e morreu no local.

“Um negão, e tal, forte, os caras olhou e sentou bala (sic)”, desabafou o irmão da vítima, referindo-se à combinação mortal da tendência a criminalizar os negros com o uso irresponsável da arma de fogo por policiais brasileiros.

A banalização do tiro provoca mortes Brasil afora. No Espírito Santo, em 2013, um casal sofreu sequestro relâmpago. Para azar deles um policial de folga viu o crime e chamou reforço. Na perseguição houve troca de tiros e a refém Maria da Penha Schopf Auer, presa no porta-malas do carro, foi atingida por disparos da PM e morreu a caminho do hospital.

Em depoimento à imprensa, o marido da vítima afirmou que não teve oportunidade de avisar sobre a presença de reféns e por pouco não foi atingido pelos disparos que atingiram o vidro traseiro do veículo.

As duas tragédias, contrariando o senso comum, não aconteceram por falta de treinamento ou capacitação. A Polícia Militar do Espírito Santo, assim como a paulista, emprega na formação e aperfeiçoamento do quadro um método de tiro cuja premissa é a preservação da vida.

Desenvolvido pelo coronel da reserva da PM paulista Nilson Giraldi, a doutrina do “Tiro Defensivo na Preservação da Vida” recomenda, em linhas gerais, que a arma de fogo só pode ser utilizada em último caso e em duas situações: diante da ameaça iminente à vida do policial ou de terceiros. O método prioriza a negociação e a verbalização durante a abordagem, com a preocupação de garantir a vida de todos os envolvidos na situação.

De acordo com o método Giraldi, os policiais envolvidos nas ocorrências que mataram os reféns Zaratini e Maria da Penha deveriam fazer a perseguição sem efetuar disparos, solicitar apoio e abordar os veículos no momento oportuno. Tiros só em último caso e com parcimônia, na quantidade necessária para conter a ameaça.

Tive a oportunidade de assistir a uma palestra do coronel Giraldi e acompanhar uma instrução de tiro, na época em trabalhei na assessoria de comunicação da PMES. Vi como o método é abrangente, inclusive com orientações quanto ao modo do policial se dirigir ao agressor, de forma calma, educada e firme. O treinamento prático exige que cada policial efetue cerca de 300 disparos em um único dia.

Se treinamento não falta, o mesmo não vale para caráter. O que as polícias daqui precisam é de respeito à dignidade humana, sentimento que impediu um dos suecos de pressionar os pés no pescoço do homem imobilizado por seus dois colegas. Como muitos policiais daqui têm mania de fazer.

 

Marcos Sacramento

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

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