O que está por trás do protesto contra os bandeirantes em São Paulo

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:02
Monumento pichado
Monumento pichado

Aconteceu o primeiro protesto contra os bandeirantes em São Paulo.

O protesto foi no Monumento às Bandeiras, cartão postal da cidade esculpido pelo italiano Vitor Brecheret, em que os tupis mamelucos ostentam cruzes no pescoço e seguem portugueses gigantes montados a cavalo.

O monumento foi pichado e os bandeirantes e mamelucos foram tingidos de vermelho. Merecidamente: os bandeirantes eram caçadores de escravos guaranis.

São Paulo nasceu de uma aliança entre os jesuítas e uma tribo de mamelucos tupis liderada por João Ramalho, casado com Bartira, a filha do cacique Tibiriçá.

A cidade surgiu de um acordo nepotista para a implantação de um colégio cristão às margens do Tamanduateí, o rio dos tamanduás. Esses escravos tupis integrantes das bandeiras escravagistas é que foram pichados no Ibirapuera – a árvore ou mata desaparecida.

Mas os jesuítas fundaram muito mais que São Paulo. Fundaram mais de 30 reduções, ou missões, em território guarani, no sul do atual Brasil, Argentina e Paraguai. Na época, os territórios eram disputados por espanhóis e portugueses.

Em São Paulo, Raposo Tavares – que dá nome à estrada que segue em direção às missões – é considerado herói. Nas missões jesuítas argentinas, paraguaias e gaúchas ele é chamado de bandido até hoje.

Sob o comando dos sacerdotes jesuítas mais cultos e bem preparados – que incluíam artistas, cientistas e arquitetos – as missões alcançaram um nível avançado de desenvolvimento social, artístico e cultural.

Os guaranis tornaram-se capazes de escrever e tocar música barroca, a esculpir a pedra e a construir e decorar igrejas como as florentinas ou sevilhanas.

Os escravos eram artistas. Os escravizadores, semianalfabetos. Os paulistas acabaram com as missões e com as habitações comunitárias que circundavam a igreja e o colégio centrais de cada uma delas, porque a educação era central no projeto missioneiro.

Liquidaram as escolas e a habitação popular. Reduziram a escombros as casas das reduções missionárias. Destruíram o Minha Casa Minha Vida guarani para obrigá-los a trabalhar de graça nas fazendas paulistas.

Depois de transformar as missões em ruínas e escravizar seus habitantes – coisa que as escolas paulistas ensinam mas não criticam – os paulistas começaram a ser expulsos ao perder pela primeira vez na batalha de Bororé, às margens do rio Uruguai, selando definitivamente a fronteira entre o Brasil e a Argentina. Bororé é o veneno que os índios colocavam na ponta das flechas. O veneno funcionou tanto quanto as armas de fogo que os jesuítas  receberam da coroa espanhola, também inimiga dos bandidos paulistas.

Daí em diante os bandeirantes foram caçar escravos na África e, depois, trouxeram mais imigrantes italianos. Porque eles já estavam aqui muito tempo antes.

Em seguida chegou o capital estrangeiro que salvou os cafeicultores falidos e a indústria recém instalada.

Os escravos passaram a vir do nordeste do país e a habitar as periferias das grandes cidades, que foram cercadas por eles.

Mão de obra barata, recursos naturais à disposição dos caçadores de esmeraldas e mercado nacional cativo.

Afastados os paulistas, os espanhóis expulsaram os jesuítas e os índios das missões. Elas acabaram em ruínas e seus ex-habitantes perambulam por ai até hoje.

Jesus de Tabarangue – hoje no Paraguai – foi a última das missões e a mais bem preservada até hoje. Sua imensa igreja – em estilo mourisco – foi abandonada inacabada com a expulsão dos jesuítas, que deixaram inscrita na pedra a data da partida. Foi assim que a redução de Jesus passou a ser Tabarangue, a aldeia que não ficou pronta.

Até que um jesuíta italiano do outro lado do rio Uruguai virou Papa. Hoje, o ítalo-argentino Jorge Bergoglio é o Papa Francisco. Não se sabe direito se em homenagem a Francisco de Assis – o frade maltrapilho defensor dos pobres e da pobreza – ou a Francisco Xavier, cofundador da Ordem de Jesus, criada com a missão de evangelizar os novos territórios conquistados na América e na Ásia.

Provavelmente, em memória de ambos. Pois não há outra maneira de competir com os demais evangelizadores sem se aliar aos pobres.

Os caçadores de escravos e esmeraldas tornaram-se escravos da escravidão. Derrotados na batalha de Bororé, os bandeirantes se refugiaram no Palácio dos Bandeirantes, uma fortaleza construída por um falso conde italiano em estilo fascista, situada no bairro mais rico da cidade e defendida por militares policiais.

A próxima batalha do Bororé será assistida no Morumbi, que quer dizer “mosca varejeira”. Será que os bandeirantes sabem onde estão sentados?

O Papa sabe. E também sabe que para reconquistar o povo não pode se aliar aos bandeirantes.

O povo quer que Tabarangue, a aldeia inacabada, fique pronta um dia. No Paraguai todas essas traduções do tupi-guarani são dispensáveis. Lá todo mundo entende a língua que os bandeirantes já esqueceram.