O que afasta as mulheres da política brasileira?

Atualizado em 4 de setembro de 2015 às 13:36

Plenário do Congresso

Publicado na DW.

 

Com uma das taxas mais baixas do mundo de participação feminina no sistema político, o Brasil estuda aprovar cotas para aumentar o número de mulheres no Legislativo. Uma proposta de emenda à Constituição (PEC), aprovada em primeiro turno pelo Senado na semana passada, prevê a reserva de 10% dos assentos nas próximas eleições, 12% na seguinte e 16% nas que se seguirem, o que ainda deixaria o país abaixo da média mundial (20%).

Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, o projeto, válido para todas as Casas Legislativas – municipais, estaduais, distrital e federais –, é insuficiente para mudar o cenário histórico ínfimo de representação de mulheres nas instâncias de decisão do país.

“As cotas de gênero são fundamentais para a eleição de mulheres, mas se não forem significativas – de 30% a 40% –, têm muito pouco impacto”, afirma Leslie Schwindt-Bayer, da Universidade Rice, nos Estados Unidos, especialista em questões de gênero na política latino-americana.

A taxa de participação feminina no Legislativo brasileiro é menor, por exemplo, que no Conselho de Representantes do Iraque (25%) e no Congresso Nacional argentino (em torno de 35%).

Apesar de a maioria dos eleitores brasileiros serem do sexo feminino, apenas 9,94% dos 513 parlamentares da Câmara dos Deputados são mulheres. No Senado, a representação feminina sobe para 16%. Com números tão baixos, o Brasil aparece na 116ª posição no ranking mundial da União Interparlamentar (IPU, na sigla em inglês), órgão internacional parceiro da ONU, que compila dados sobre parlamentos de 190 países.

Maior representação

A proposta inicial da bancada feminina no Congresso era reservar 30% dos assentos no Legislativo, assim como fez a Argentina, mas o patamar foi rejeitado pela maioria dos parlamentares. O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que votou contra a aprovação das cotas, afirmou que a proposta “fere o princípio da soberania do voto”.

De acordo com Schwindt-Bayer, a adoção de cotas de gênero foi decisiva para aumentar a representação feminina no legislativo de países latino-americanos nos últimos 20 anos. Na Costa Rica, onde 33,3% dos deputados são do sexo feminino, a Lei Eleitoral exige que 50% dos candidatos sejam mulheres e não permite que duas pessoas do mesmo sexo sejam incluídas de forma subsequente na lista de candidatos.

O código eleitoral argentino prevê que as listas dos partidos tenham ao menos 30% de candidatos do sexo feminino e, no Parlamento, é obrigatório haver ao menos uma mulher a cada dois homens. No ranking da IPU, a Argentina está apenas duas posições atrás da Alemanha (20º), que conta com um índice de 36, 5% de participação feminina no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão.

Ruanda foi o primeiro país do mundo a ter maioria feminina no Legislativo, com 63,8% dos assentos ocupados por mulheres. A Constituição criada em 2003, dez anos após o genocídio, determina reserva de 30% das cadeiras para o sexo feminino. A mudança na lei fez a presença feminina saltar de cerca de 20% para mais da metade dos assentos.

No Brasil, a Lei Eleitoral de 1997 exige que os partidos reservem 30% de candidaturas a mulheres, mas a exigência só chegou a ser cumprida em 2012. “Faltam sanções pelo descumprimento da legislação, o que torna a medida muito frágil”, diz Luciana Ramos, do Grupo de Pesquisa em Direito e Gênero da FGV-SP.

O sistema eleitoral em lista aberta, adotado pelo Brasil, também dificulta a implantação de cotas de gênero. “Uma vez que os partidos não controlam previamente a ordem dos candidatos na cédula, fica difícil assegurar que as mulheres fiquem no topo da lista e ganhem assentos”, diz Schwindt-Bayer.

Nas listas fechadas pré-ordenadas, como ocorre na Argentina, é possível garantir uma cota de eleição de mulheres, já que a ordem de preferência dos candidatos é determinada antes das eleições. “Já na lista aberta, a escolha dos partidos é imprevisível. Esse sistema de representação proporcional não permite uma pré-ordenação, o que dificulta a efetividade das cotas partidárias já existentes no Brasil”, avalia Ramos.

Partidos são maior entrave

Segundo Lucia Avelar, pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp, os partidos políticos são a principal barreira para uma maior inserção da mulher na política.

“Os partidos políticos são instituições muito fechadas e ignoram os avanços que as mulheres já fizeram na sociedade”, afirma. “Elas exercem atividades políticas nos bairros, nas ONGs, na sociedade civil de um modo geral e, mesmo assim, continuam sendo brecadas no sistema político.”

Apesar de haver expoentes femininos na liderança política do país, não há correspondência nos partidos. “Toda vez que se aproximam dos partidos, elas têm de ficar num lugar à parte. E na campanha do ano passado, nem Dilma nem Marina Silva trataram da questão.”

A falta de representação feminina no Congresso prejudica a elaboração de políticas públicas e afeta os direitos sociais da mulher, de acordo com Ramos. “Uma das principais pautas prejudicadas é a descriminalização do aborto e também o aumento da licença paternidade”, diz. “A bancada feminina no Congresso acaba se concentrando em questões pouco problemáticas, que não envolvam discussões religiosas e que sejam apartidárias.”

Mesmo sendo maioria entre os filiados nos partidos, de acordo com levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres têm dificuldades em avançar a posições de liderança e recebem pouco financiamento de campanha de grandes empresas.

“As instituições políticas marginalizam as mulheres”, diz Avelar. “A representação política é secularmente um affair masculino, e há uma clara obstrução por parte dos homens. Pouquíssimos conseguem levar ao sistema representativo o universo dos interesses das mulheres.”