O segredo para a felicidade no Butão

Atualizado em 6 de maio de 2015 às 13:47
Pensar na morte ajuda a viver melhor, segundo os butaneses
Pensar na morte ajuda a viver melhor, segundo os butaneses

Publicado na bbc. O autor, Eric Weiner, é um viajante filosófico e autor de livros como A Geografia da Felicidade.

Em uma visita a Thimpu, a capital do Butão, me encontro conversando com um homem chamado Karma Ura e abrindo meu coração para ele. Talvez seja o fato de ele ter o nome Karma, ou o ar rarefeito do lugar, ou a maneira como viajar derruba minhas defesas, mas decido confessar a ele algo muito pessoal.

Semanas antes, completamente do nada, eu tinha sentido uns sintomas estranhos: falta de ar, tontura, dormência nas mãos e nos pés. Primeiro, achei que estivesse sofrendo um ataque cardíaco ou enlouquecendo. Ou as duas coisas.

Fui ao médico, que pediu uma série de exames e encontrou…”Nada”, disse Ura.

Antes mesmo de eu completar a frase, ele já sabia que meus medos não tinham fundamento. Eu não estava morrendo, pelo menos não tão rápido como temia. O que tive foi um ataque de pânico.

O que eu queria saber era: por que agora – afinal, minha vida estava indo impressionantemente bem – e o que eu poderia fazer a respeito?

“Você precisa pensar na morte cinco minutos por dia”, respondeu Ura. “Isso vai curá-lo”.

“Como?”, perguntei, estupefato.

“É esse medo da morte, esse medo de morrer antes de ter realizado o que desejamos ou de ver nossos filhos crescerem. É isso o que está incomodando você.”

“Mas por que eu iria pensar em algo tão deprimente?”

“As pessoas ricas do Ocidente não tiveram que tocar em mortos, feridas abertas, coisas apodrecidas. Isso é um problema. Essa é a condição humana. Temos que estar prontos para o momento em que deixamos de existir”, concluiu.

Lugares, assim como as pessoas, têm a capacidade de nos surpreender, desde que estejamos abertos a surpresas e não presos a noções preconcebidas.

Este reino nos Himalaias é famoso por sua inovadora política de ‘Felicidade Interna Bruta’. É uma terra onde a satisfação impera e a tristeza não ganha visto de entrada.

O Butão é de fato um lugar especial (e Ura, diretor do Centro de Estudos Butaneses, uma pessoa especial), mas esse aspecto é mais sutil e, francamente, menos ensolarado do que a imagem de um Shangri-La de sonhos que projetamos do país.

Na realidade, ao sugerir que eu pensasse sobre a morte uma vez por dia, Ura estava sendo generoso comigo. Na cultura butanesa, as pessoas devem pensar sobre a morte cinco vezes por dia.

É algo notável para qualquer nação, mas especialmente para uma tão igualada com a felicidade como o Butão.

Será que, no fundo, esta é uma terra de sombras e desespero?

Não necessariamente. Pesquisas recentes sugerem que, ao refletirem sobre a morte com tanta frequência, os butaneses podem estar enxergando algo que o resto de nós não percebe.

Eles sabem que a morte é parte da vida, querendo ou não, e ignorar essa verdade essencial tem um custo psicológico pesado.

Linda Leaming, autora do maravilhoso livro A Field Guide to Happiness – What I Learned in Bhutan About Living, Loving and Waking Up (“Um guia de campo para a felicidade – O que aprendi no Butão sobre viver, amar e acordar”), também sabe disso. “Percebi que pensar na morte não me entristece. Isso me faz aproveitar o momento e enxergar coisas que normalmente não veria”, afirma. “Meu conselho é: vá até lá. Pense no inimaginável, naquilo que você tem medo de pensar várias vezes por dia.”

Diferentemente da maioria de nós no Ocidente, os butaneses não isolam a morte. A morte e suas representações estão em toda parte, especialmente na iconografia budista, onde encontramos ilustrações coloridas e macabras.

Ninguém, nem mesmo as crianças, está protegido dessas imagens, ou de danças rituais que reencenam a morte.

Os rituais são um recipiente para as dores, e no Butão esse recipiente é grande e pertence a todos. Quando alguém morre, decreta-se um luto de 49 dias que envolve rituais elaborados e cuidadosamente planejados.

“É melhor do que qualquer antidepressivo”, diz Tshewang Dendup, ator butanês. Eles podem parecer um pouco aéreos durante esse período, mas na realidade estão descarregando seu luto através dos rituais.

Mas por que os butaneses têm uma atitude tão diferente em relação à morte? Um motivo simples é o fato de ela estar em toda parte. Para um país tão pequeno, ele oferece muitas maneiras de morrer: nas traiçoeiras curvas das estradas; em um ataque por um urso; em um envenenamento por cogumelos.

Outra explicação está nas crenças budistas, sentidas profundamente no país, especialmente na reencarnação. Se você sabe que terá outra chance na vida, terá menos medo do fim desta vida.

Como dizem os budistas, você não deveria temer a morte mais do que teme se livrar de roupas velhas.

O que não quer dizer, claro, que os butaneses não sentem medo ou tristeza. Mas, como Leaming afirma, eles não fogem dessas emoções. “Nós do Ocidente queremos resolver logo quando estamos tristes. Temos medo da tristeza. É para nós algo a superar e a tratar com medicamentos. Mas no Butão existe uma aceitação. É parte da vida.”

A lição de Ura, no entanto, ficou marcada em mim. Hoje consigo pensar na morte uma vez por dia. A não ser que esteja especialmente estressado. Aí penso nela duas vezes por dia.