Os médicos cubanos e as cotas

Atualizado em 16 de maio de 2013 às 13:26

Há uma outra forma de criar cotas que favoreçam a sociedade como um todo.

filasaude
É muita gente. Ou pouco médico?

Não gosto da forma como se pensa em cotas no Brasil. E não é por ser a negação da meritocracia. Esta, pela falta de educação pública, não existe com ou sem cotas. Meu problema com elas, ao menos da forma como são propostas, se dá porque elas beneficiam o indivíduo e não o conjunto.

Imagine um médico cotista. Nada impede que ele seja brilhante, mas estatisticamente falando, teremos um médico provavelmente pior do que o aprovado por mérito. É poker. Com 7 e 2 nas mãos você pode até ganhar, mas suas chances de perder são matematicamente maiores. Voltando ao médico, você pode estar fazendo “justiça histórica” dando uma vaga de cota para ele. Mas onde está a justiça para quem será atendido por ele?

Digo isso por causa de todo o barulho que se faz diante da possibilidade de contratar os tais médicos cubanos. Mas vou introduzir a idéia contando sobre uma experiência própria.

No auge da crise da indústria fonográfica, eu e meu empresário Leandro Sács participamos de um edital público para que pudéssemos sair em turnê subsidiada pelo Ministério da Cultura. Naquele momento, descobrimos que eles têm uma política de desconcentração, segundo a qual um proponente de São Paulo ou do Rio de Janeiro sai com uma desvantagem. Ou tinham na época.

Algum tempo depois, nós notamos que vários artistas que receberam o subsídio por ser de fora de SP-RJ fizeram suas turnês, ou parte delas, em SP-RJ. Desta forma, o Ministério desconcentrou um trocado para meia dúzia de artistas e concentrou cultura onde menos precisa. Isso não é justiça cultural. Justiça seria subsidiar quem leva cultura para os lugares que têm pouca oferta. Levar um show para uma cidade que nunca recebeu um.

Da mesma forma, acho que se haverá cotas nos cursos de medicina, por exemplo, elas deveriam ser dadas a quem está disposto a fazer, digamos, 2 anos de residência nesses lugares onde ninguém quer ir. Nesses lugares onde a gente está tendo que levar os tais médicos cubanos para que os injustiçados (estes sim) possam ter um médico.

Assim como o Ministério da Cultura não deveria cuidar dos artistas, mas dos consumidores de cultura – a sociedade – o governo, em todas as esferas necessárias para aprovar as cotas, não deveria cuidar dos futuros médicos. Deveria cuidar dos futuros pacientes. Desconcentração de verdade é dar a possibilidade para que uma cidade inteira, uma região inteira possa ter atendimento médico, o mais básico dos direitos humanos num estado decente. Do jeito que está sendo proposto, ela basicamente dá a possibilidade para quem alguém, no futuro, possa ganhar muito dinheiro como médico.

E, obviamente, isso vale para todas as profissões.

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Emir Ruivo é músico e produtor formado em Projeto Para Indústria Fonográfica na Point Blank London. Produziu algumas dezenas de álbuns e algumas centenas de singles. Com sua banda, Aurélios, possui dois álbuns lançados pela gravadora Atração. Seu último trabalho pode ser visto no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=dFjmeJKiaWQ