Um ano e 6 meses depois, herdeiro de afiliada da Globo que atropelou três e matou um segue livre e caso sem solução

Atualizado em 27 de fevereiro de 2019 às 16:50
Sérgio Orlandini Sirotsky

POR RENAN ANTUNES DE OLIVEIRA, de Florianópolis 

Tudo pronto para o julgamento do ano em Floripa – ou do ano que vem, ou do próximo – dependendo se e quando o juiz Renato Mastella, da Vara do Tribunal do Júri, levar ao banco dos réus Sérgio Orlandini Sirotsky, 22, um dos herdeiros do poderoso grupo de jornais e TVs RBS, afiliada da Rede Globo no Sul.

Conforme a denúncia do Ministério Público de SC, Sirotsky, bêbado e drogado, dirigindo um carro em alta velocidade, atropelou três pessoas no acostamento da rodovia SC402, matando uma.

O crime do qual ele é acusado aconteceu na madrugada de 6 de agosto de 2017.

O promotor Andrey Amorim remeteu o caso concluso para a Vara do Júri como sendo “crime de dolo eventual”, como adiante veremos, em 6 de outubro de 2018.

Um ano e seis meses depois o caso ainda está sem solução – a Justiça em Santa Catarina não tem os recursos da Lava Jato, que quase ao mesmo tempo condenou Lula em três instâncias, jogou o homem na cadeia e a chave fora.

Sirotsky ainda está na primeira instância, sem prazo para a etapa da pronúncia, que o poria no banco dos réus.

E não pegou nem um diazinho de cadeia: conseguiu escapar ao flagrante fugindo da cena do atropelamento.

Segundo o MP, depois do acidente ele não parou para socorrer as vítimas, continuou dirigindo até um local isolado, onde abandonou o carro.

De lá, conseguiu carona para se refugiar na casa da mãe, no centro de Floripa.

Notem um detalhe: neca de bafômetro.

Uma vez no conforto do lar, caiu no sono.

No dia seguinte, foi à polícia, já acompanhado do mais caro advogado criminalista da cidade. Confessou que tinha bebido dois vodkas com energético.

Mais tarde, na versão oficial à Justiça, se corrigiu e disse que bebeu “um vodka com frutas” – assim, estaria possivelmente mais sóbrio do que o juiz da audiência. Saiu livre.

O caso não teve muita repercussão porque seu pai até poucos meses antes fora sócio dos principais jornais e TVs de SC e o pessoal aliviou o pé.

Dali pra frente, e até hoje, manteve uma regra indigna de quem é dono de jornal: jamais deu entrevistas.

Nota do autor: como cada caso é um caso, a Justiça e a imprensa locais estão mais duras com bêbados que matam.

Exemplo: neste sábado, 23 de fevereiro, um motorista embriagado dirigindo um Jaguar bateu noutro carro e matou duas jovens, em Gaspar.

O homem enfureceu a mídia e a lei. Rendeu manchetes por três dias.

Neste prazo, a polícia deu o flagrante, a prisão foi mantida na audiência de custódia e ele já puxa cana em Itajaí, aguardando o julgamento entre a turma do PCC – e só estamos no dia 26!

No caso Sirotsky, em menos de duas horas a polícia já sabia quem era o fujão da cena do crime, o que pode explicar luvas de pelica durante a apuração e depois do incidente.

O delegado que presidiu o inquérito percebeu uma pequena negligência: os agentes não fizeram, ou não foram instruídos a fazer, a perícia no local. Também não houve teste de bafômetro.

Assim, provar que ele estava bêbado pelo testemunho de gente que viu o carro passar voando vai ser duro e pode custar o caso ao MP, que quer ver Sirotsky preso.

Mesmo assim o promotor Amorim pediu a condenação dele pelo dolo eventual – este é o crime que o levaria a júri e pode lhe render cadeia em regime fechado.

Amorim sustenta que “é claro que o réu (Sirotsky) não desejou diretamente matar ou tentar matar alguém, mas isto não diz respeito ao presente caso, pois não se trata de dolo direto, mas sim de dolo eventual”.

Na linguagem popular, o promotor quis dizer que ele assumiu o risco de matar alguém.

Nos autos, o promotor Amorim contou que “após a ingestão voluntária de bebida alcoólica e outras substâncias psicoativas, conduzindo o veículo AudiA3 placas QHZ 0609, no sentido centro-bairro, em alta velocidade e dirigindo perigosamente, assumindo o risco de qualquer resultado lesivo,  ao tentar ultrapassar um ônibus, pelo lado direito, atropelou as vítimas, Sérgio Luz, Edson Mendonça e Rafael Machado, que caminhavam no acostamento”.

Precisa desenhar? Sirotsky saiu de uma balada depois de tomar todas, e pilotando seu Audi saiu voando pela avenida que leva o nome do tio-avô, Maurício Sirotsky, fundador da RBS, hoje a rota das baladas de Jurerê Internacional.

Foi quando fez seu strike no acostamento.

O juiz que primeiro pegou o caso deu uma leve dura nele: mandou ficar em casa durante as noites e fins de semana, largar as bebidas, drogas e o volante de qualquer carro.

Sirotsky passou quase um ano longe do radar, desfrutando do confortável apê da mãe num edifício de um por andar e da mansão da família em Jurerê Internacional, podendo pegar ondas durante o dia.

As fofocas sobre este príncipe da juventude gaúcha e catarinense foram muitas.

O Audi de Sirotsky após o atropelamento

Mesmo com seu passaporte retido pela Justiça, disseram que voou no avião da família para uma temporada de esqui na Suíça, onde mora o pai.

Gente conta que o viu jogando no cassino da família no Uruguai, indo e voltando de jatinho – no caso, não precisava de passaporte.

Segundo os funcionários do cartório criminal, toda semana marcada para seu compromisso ele bateu ponto lá, sem falta.

Portanto, para os efeitos legais, sempre esteve em Floripa.

Por motivos que só a mãe sabe, ele se mudou para um apartamento num hotel próximo da casa dela.

Em setembro do ano passado, membros de um esquadrão de elite da Polícia Civil, investigando gente graúda, acabou numa boate na cobertura do Hotel Majestic, de uma família de políticos locais.

Lá, os agentes reconheceram Sérgio Sirotsky entre os frequentadores, tomando todas.

O juiz do caso soube da quebra dos termos de sua liberdade e redobrou a dureza delicada da Justiça: meteu nele uma tornozeleira eletrônica por 90 dias.

O advogado deu várias desculpas para justificar o comportamento rebelde, entre elas que Sirostsky sofreria de problemas que teriam lhe rendido internação psiquiátrica e tratamento em sua Porto Alegre natal – mas nada que o impedisse de circular pelas praias de Floripa.

Sérgio Sirotsky está meio estigmatizado porque agora todo mundo sabe o que ele fez quando tinha 13 anos – ele e um amigo, filho de um delegado de polícia, introduziram um celular na vagina de uma menina da idade deles.

Ela foi salva de males maiores pela mãe do próprio Sirotsky, que interrompeu o estupro e chamou os pais da menina.

O caso teve destaque nacional via TV Record, que jogou em todos os noticiários para atingir a então concorrente RBS.

O nome dele, por ser menor à época, não foi ao ar.

As acusações eram sempre contra “um herdeiro da família Sirotsky”- piorando o vexame, porque toda família tinha que dar explicações.

O caso do celular terminou fora dos tribunais: o pai pagou pelo silêncio da família da menina.

Depois, com os arranjos previstos no Estatuto do Adolescente, Sérgio foi mandado para uma temporada nos States – voltou de lá com o visual adquirido dos moleques americanos do funk.

O pai se mudou para a Suíça, ele ficou aos cuidados da mãe em Floripa.

Da mãe e dos advogados. Em novembro, expirados os 90 dias da primeira tornozeleira, a defesa quis tirá-la, alegando que a lei prevê só 90 dias. O juiz deu mais 90, excepcionalmente.

Os 90 terminam dentro de duas semanas. No cartório, os funcionários acham que o juiz vai prorrogar mais uma vez, mantendo mais 90.

Sobre a pronúncia, o juiz disse que ainda está estudando o caso.

Por enquanto, Sirotsky ainda tem que aparecer no cartório, num intervalo de 3 dias antes e 3 dias depois da data aprazada – mantida em segredo por cortesia do  TJ, para evitar os paparazzi.

Quando chega, provoca uma agitação discreta (se é que me entendem) no balcão, surpreendendo os plantonistas pelo jeito tímido e educado, parece um cidadão comum.

Não é, porque não precisa dizer o nome, o pessoal sabe quem é. Aí, ele assina o livro com aquele nome, que todos sabem qual é.

O futuro dele agora está nas mãos do juiz Mastella: se for pronunciado, Sirotsky vai enfrentar o Tribunal do Júri, pode pegar cana dura.

Se o juiz entender que foi só um crime de trânsito, leva uma reprimenda, paga uns trocados, estará livre.

E se ele for absolvido por Mastella, sairá numa boa – isto é, continuará numa boa.