A reunião entre sertanejos e o presidente Jair Bolsonaro, em janeiro, quando ele mandou a imprensa para a “puta que pariu”, não foi por acaso e muito menos serviu para mostrar o conservadorismo da classe. Ali há um grande esquema que tem feito o sertanejo se ‘perpetuar’ nas paradas de sucesso.

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Convicções à parte, o ritmo musical que toma conta do Brasil há vários anos é muito mais que “por Deus e pela família” e tem como preocupação principal o próprio bolso.

Naiara Azevedo, Sorocaba e o principal apoiador do presidente, Eduardo Costa, têm algo em comum: usam a Lei Rouanet do sertanejo, as Festas de Peão.

Quem mora em grandes cidades ou capitais talvez não saiba, mas as  Festas de Peão são parte integrante no calendário de eventos da maior  parte dos municípios do interior do país, principalmente no Sudeste e no  Centro-Oeste. E, quase sempre, os cantores cobram uma pequena fortuna que, em 90% dos casos, saem dos cofres públicos.

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Enquanto vociferava pelo fim da Lei Rouanet, que ele chamou mais de  uma vez de mamata, Eduardo Costa fez várias citações de apoio a  Bolsonaro, dando a entender que não aprovava o uso do dinheiro público  pela classe artística, assim como já declarou o presidente.

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O que ele não contou a ninguém é ser um dos líderes de um esquema  milionário e que, há anos, funciona como mola propulsora para a fama e  fortuna.

Em 2019, antes da pandemia do coronavírus, o amigo de Leonardo fechou  contrato com a prefeitura de Cristalina (GO) para fazer um show na 30ª  exposição agropecuária e recebeu, por isso, R$ 150 mil. Até vídeo no  perfil do prefeito, Daniel  do sindicato, o sertanejo gravou.

Mas este é apenas um dos diversos shows que o bolsonarista raiz fez  pelo Brasil naquele ano em Festas do Peão com dinheiro público.  Levantamento do DCM mostra que Eduardo participou de eventos em cidades  como Bady Bassit, Sertãozinho, Pacaembu e Santa Cruz do Rio Pardo, todas  em São Paulo e com uso de dinheiro público entre R$ 100 e R$ 150 mil.

E enquanto fazia vídeos zombando da ex-presidenta Dilma, Naiara  Azevedo saia do ostracismo para a fama em meados da década passada, se  tornando milionária. A cantora rodou pelo interior do país em festas do  peão até se tornar um dos principais nomes do sertanejo no Brasil. Em 2019, a intérprete de “50 reais” cobrou muito mais que isso para  subir ao palco em Extrema (MG), segundo comprovante conseguido pelo DCM e  que aponta R$ 100 mil de pagamento saindo dos cofres da prefeitura.

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A pequena cidade de menos de 37 mil habitantes também foi vítima do  assalto praticado por outra apresentação de sertanejo conservador e  bolsonarista. Sorocaba, que discursou em favor de Bolsonaro na reunião, não se fez  de rogado, ao lado de seu parceiro musical Fernando, em receber R$ 117  mil para fazer uma única apresentação na cidade, no mesmo evento em que a  colega também cantou.

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A dinâmica é sempre a mesma e vale para todo e qualquer cantor  sertanejo, só mudam o nome e os valores, nunca abaixo de R$ 80 mil e, em  alguns casos, ultrapassando os R$ 200 mil, como com Luan Santana e  Gusttavo Lima.

Embora os eventos sejam abertos para todo o tipo de público e,  portanto, deveriam dar espaço para os mais variados ritmos, o sertanejo  universitário tomou conta das Festas de Peão há muito tempo. Estudo  publicado em 2017 pela UNIS, de Minas Gerais, mostra que a arrecadação  dos cantores desse estilo ultrapassa a de qualquer outra área.

Mas isso acontece porque os empresários do ramo no interior são todos  ligados ao agronegócio e possuem intenso vínculo com prefeitos dessas  cidades, inclusive com ajuda financeira nas campanhas eleitorais. E em  troca de robustos apoios, eles exigem a contratação de shows sertanejos  nas Festas de Peão, fechando a porta para qualquer outro ritmo musical  sob a justificativa de que não combina com o evento.

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Por ser uma contratação muito específica – afinal, não existem duas  Naiaras Azevedos – quase sempre a contratação ocorre por inexigibilidade  de licitação, ou seja, cobra-se o valor que bem entender, inclusive com  direito a diferenças monumentais entre uma cidade e outra, a bel prazer  do prefeito e do empresário em questão.

A aparição de Naiara Azevedo, Sorocaba, Eduardo Costa e outros em  reunião com Bolsonaro é uma forma de induzir o público a manter a  confiança num governo, mesmo que ele esteja desmanchando nas mãos. E a  reunião dá mostras disso pelo discurso dos próprios envolvidos.