80 anos depois dos nazistas, o MBL consegue cancelar mostra de “arte degenerada”. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 11 de setembro de 2017 às 7:16
Obra da mostra Queermuseu que chocou a direita chucra

 

O Brasil emburrece e caminha para o abismo a passos céleres graças a uma extrema direita canalha, violenta e cada vez mais barulhenta e intolerante.

A intimidação promovida pelo MBL, pelo prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan e por fanáticos religiosos sobre o Santander conseguiu o cancelamento da exposição “Queermuseu”, que deveria ficar aberta até 8 de outubro.

A mostra, de temática LGBT, foi alvo de protestos reais e virtuais de cidadãos de bem, supostamente preocupados com o que enxergaram como apologia à pedofilia e a outras coisas que ameaçam a família brasileira e que querem eliminar da face da Terra.

Entre os 85 artistas, havia nomes consagrados como Alfredo Volpi e Cândido Portinari. O curador Gaudêncio Fidélis não foi consultado sobre o fechamento. É um escândalo que o Santander tenha se dobrado a fascistoides, fingindo não saber o que tinha contratado.

“Entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo”, afirmou a instituição numa nota. “Pedimos sinceras desculpas a todos os que se sentiram ofendidos”.

O MBL, que vive alertando para os perigos de uma “ditadura bolivariana”, comemorou a “vitória da pressão popular”.

Num vídeo, membros do grupo falam que “só tem putaria, só tem sacanagem”. O prefeito Nelson Marchezan Jr., do PSDB, que se cair de quatro não levanta, denunciou “imagens de zoofilia”.

É preciso parar de achar que a sombra nazista sobre o Brasil é uma redução ao absurdo.

Em junho de 1937, o ministro de Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels, encarregou o presidente da Câmara de Artes Plásticas, Adolf Ziegler, de vasculhar todos os museus em busca de “arte decadente”.

Milhares de peças produzida depois de 1910, que não se adequavam ao ideal de beleza nacional socialista, foram reunidas em Munique numa exposição chamada “Entartete Kunst”, “Arte Degenerada”.

Goebbels na exposição de “arte degenerada” em Munique

“Os senhores veem à nossa volta essas abominações da loucura, da insolência, da inépcia e da degeneração. O que os olhos percebem, nos causa, a nós todos, choque e repulsa”, falou Ziegler na abertura, antecipando a turma gaúcha.

Expressionistas como Emil Nolde, Käthe Kollwitz e Ernst Barlach, alemães, foram jogados no lixo. Vassily Kandinsky, Marc Chagall e Pablo Picasso foram proibidos.

“Praticamente não houve resistência”, escreveu a perita em história da arte Anja Tiedemann, da Universidade de Hamburgo. As obras que não foram destruídas acabaram vendidas no mercado negro para financiar o regime.

Oitenta anos mais tarde, repetimos essa tragédia com a cumplicidade de uma entidade financeira — e da sociedade porto alegrense, que assiste essa excrescência em silêncio.

O belíssimo documentário “Arquitetura da Destruição”, sobre a Alemanha hitlerista, sua estética e a “Entartete Kunst”, ajuda a entender o que aconteceu lá e está se repetindo aqui.