‘Para o inferno com os tribunais, sei o que é justiça’

Atualizado em 27 de dezembro de 2012 às 17:10

Muita gente tem uma fé comovente na infabilidade dos juízes, mas não é bem assim
 

Existe, numa parcela expressiva da sociedade, uma fé quase comovente na justiça.

É como se ela tivesse o dom da infabilidade. E não, como é a realidade, não fosse composta por homens como você e eu, expostos a manipulações e a outras tentações que podem, sim, influenciar um veredito.

A justiça, infelizmente, é falível. Por isso tem que ser fiscalizada. Na União Soviética de Stálin, nos anos 1930 os tribunais condenaram à morte dezenas de líderes bolcheviques que Stálin entendia serem potenciais rivais. Todos eles confessaram crimes inomináveis.

Bukharin, o jovem prodígio que era o favorito de Lênin, foi um dos executados pela justiça stalinista por crimes “anticomunismo”. Anos depois, descobriu-se uma carta que ele endereçara a Stálin na qual ele perguntava ao antigo companheiro, chamando-o pelo apelido dos velhos tempos: “Tinha que ser assim, Koba?”

No livro A História do Povo Americano, o historiador Howard Zinn reproduz uma passagem que conta muito sobre a justiça americana.

Um ativista chamado Jack White foi preso depois de fazer um discurso considerado subversivo, em 1912. Eram os dias dos “robbers barons”, os barões ladrões, e a iniquidade era extrema entre os americanos. (Depois, com o presidente Ted Roosevelt, seria inaugurada a era que os historiadores chamariam de “Progressista”. Roosevelt acabou, por exemplo, com os monopólios, e trouxe reformas que melhoraram a vida dos trabalhadores.)

Jack White foi condenado a seis meses de cadeia, em regime de água e pão. O juiz lhe perguntou se tinha alguma coisa a dizer. Um funcionário do tribunal registrou, palavra a palavra, o que White disse, e isso está no livro de Zinn.

“O promotor, em sua fala ao júri, me acusou de ter dito num palanque, num encontro público: ‘Para o inferno com os tribunais, sabemos o que é a justiça’. Ele disse uma grande verdade ao mentir, pois se ele tivesse pesquisado os recessos mais íntimos de meu cérebro ele poderia ter encontrado aquela expressão, nunca usada por mim, mas que eu utilizo agora: ‘Para o inferno com os tribunais, sei o que é a justiça’. Pois estou sentado nesta corte dia após dia e vejo pessoas de minha classe enfrentando isso, a assim chamada justiça. Vejo você, juiz Sloane, e outros do seu tipo, mandar aquelas pessoas para a prisão. Vocês se tornaram cegos a mudos ao direito do homem do povo de buscar a felicidade. E aí vocês me pedem para respeitar a lei. Não respeito. (…) O promotor mentiu, mas vou aceitar aquela mentira, juiz Sloane, e dizer de novo, de tal forma que o senhor não se equivoque sobre o que penso: ‘Para o inferno com seus tribunais, eu sei o que é a justiça’.”