A deslumbrante beleza interior do Planeta Niemeyer

Atualizado em 6 de dezembro de 2012 às 19:39

Para além das curvas femininas de suas obras, o gênio brasileiro combateu o bom combate

"Função sem beleza é uma merda"

E Niemeyer cumpriu enfim, quase aos 105 anos, o destino para o qual estamos condenados desde que nascemos: a morte.

“A vida é um sopro”, disse ele certa vez. Acabou sendo este o nome de um documentário sobre ele. Colocarei no pé deste texto, e recomendo fortemente que seja visto.

Sobre seu tamanho como arquiteto, não há o que discutir. Sua influência na arquitetura moderna é reconhecida em todo o mundo. Na noite de ontem, a cobertura de sua morte era o principal destaque do site do Guardian.

Niemeyer inovou, em escala planetária, com suas curvas inspiradas nas mulheres brasileiras. Isso já estava presente em seu primeiro grande trabalho, o bairro da Pampulha, em Belo Horizonte, uma encomenda do então governador de Minas Juscelino Kubitschek, em 1940, quando Niemeyer tinha 33 anos.

Foi por encomenda do próprio JK, anos depois, que Niemeyer faria um trabalho de repercussão épica, o projeto da nova capital, Brasília. Lá estava sua marca única e pessoal, as curvas que causaram deslumbre e, em menor medida, controvérsia em torno da questão de qual era a prioridade de Niemeyer — a beleza simplesmente decorativa ou a beleza funcional.

Ele próprio participava do debate. Citava as pirâmides, “sem sentido”, mas esplêndidas. “O que fica na arquitetura é a beleza. A função sem beleza é uma merda.”

Muito antes da globalização Niemeyer se internacionalizaria graças a seu talento extraordinário. Entre as obras que fez no exterior, estão o prédio da ONU em Nova York, a sede do jornal Humanitèe em Paris e a galeria de arte Serpentine em Londres.

Mas o que mais me fascina é o ser humano atrás do arquiteto revolucionário.

Até o final da vida, ele manteve em seu escritório de trabalho, ao alcance das mãos encarquilhadas, um pequeno cartaz vermelho no qual estava escrito: “Fodido não tem vez”.

A  consciência dessa verdade doída fez de Niemeyer um pessimista e um comunista. Ele repetia uma indagação de Sartre sobre se o mundo não teria ficado melhor sem a ocupação humana. Contava que uma vez sonhara que seu Rio de Janeiro ficara em seu estado natural, sem a predação humana, e aí dera razão a Sartre.

A beleza na obra de Niemeyer tinha um endereço: os “fodidos”, para usar sua própria palavra. “Eles não vão desfrutar nada na arquitetura, mas ao passarem por um lugar podem ter um instante de admiração e encanto”, afirmava.

Niemeyer aderiu ao Partido Comunista em 1945. Dera abrigo em seu estúdio no Rio ao líder comunista Luiz Carlos Prestes, perseguido pela polícia, e acabara se encantando com suas ideias.

O Museu da Arte Contemporânea de Niterói, uma das obras primas de Niemeyer

Permaneceu comunista até o fim da vida, o que levou Fidel Castro a dizer que os dois eram os últimos comunistas vivos. A ditadura militar nascida em 1964 tornou o Brasil irrespirável para Niemeyer: seu escritório foi saqueado, a revista que dirigia foi fechada e as encomendas sumiram. Ele acabaria se exilando, e só retornaria nos anos 1980, com a abertura política do final da ditadura.

Mas no Planeta Niemeyer o comunismo era uma espécie de boteco carioca. Não havia monopólio de ideias e opiniões, e conviviam pessoas das mais diversas ideologias. “Tenho muitos amigos reacionários, e eles passaram a vida achando que eu estava errado, e eu achando que eles estavam errados.”

No Planeta Niemeyer, os diferentes conviviam fraternalmente, tolerantes, respeitosos, formando uma irmandade caótica mas integrada. Não era um planeta exatamente funcional — mas quem poderá negar sua fulgurante beleza humanitária e compassiva?