Por que Tolstoi achava Shakespeare uma farsa

Atualizado em 23 de abril de 2011 às 18:33
Um enganador, segundo Tolstoi

Tolstoi era um encrenqueiro. Amava a humanidade, mas detestava os seres humanos.

Um dos objetos de seu ódio era Shakespeare. Aos 75 anos, Tolstoi escreveu um memorável ensaio sobre Shakespere, para ele um injustificado caso de “adulação universal”.

Na tentativa de desmistificar Shakespeare, Tolstoi releu mais uma vez a obra de Shakespeare – em algumas línguas. “Li muitas vezes as tragédias e as comédias e as peças históricas, e invariavelmente tive sempre os mesmos sentimentos: repulsa, desagrado, irritação”, escreveu Tolstoi. “Acredito que Shakespeare não pode ser reconhecido nem como um grande gênio e nem como um autor mediano.”

Tolstoi achava os diálogos de Shakespeare absurdos. Isso, para ele, era imperdoável num escritor.

“O meio mais importante, se não o único, de retratar um personagem é a invidualidade da linguagem, ou seja, a maneira de falar de uma pessoa tem que ser compatível com sua condição. Isso não existe em Shakespeare. Todos os seus personagens falam não sua linguagem, mas a de Shakespeare – pretensiosa e artificial. Não apenas as personagens não falariam daquela maneira, mas ninguém em todo o mundo.”

Um pouco adiante, Tolstoi aprofundaria essa sua tese. “Os apaixonados, os que estão se preparando para morrer, os que estão lutando, os que estão morrendo, todos falam muito, e subitamente, sobre assuntos absolutamente impróprios para a ocasião.”

Tolstoi tinha em baixa conta, também, o poder criativo de Shakeapere. Todas as suas peças se basearam em obras de autores anteriores a ele. Todos os seus grandes personagens, de Otelo a Cordélia, de Desdêmona a Macbeth, vieram de outros escritores. Para Tolstoi, Shakespeare estragou as histórias que apanhou para escrever suas peças. “Ele pode ter sido tudo, menos artista.”

Tolstoi tinha razão?

Provavelmente não. Seu ataque – brilhante, inflamado, coisa de profissional – não fez mal nenhum à imagem  de Shakespeare. Não teve repercussão, ao contrário de um ensaio de Voltaire sobre Shakespeaere que fez os franceses descobrir e logo travar um caso de amor com o assim-chamado Bardo.

Mas o ensaio de Tolstoi ainda hoje merece ser lido. Reflete, mais do que Shakespeare em si, o próprio Tolstoi no luminoso esplendor de sua genialidade encrenqueira — e na escuridão de sua mente atormentada que o levou à tarefa extremamente desagradável de ler fanaticamente um autor que ele desprezava.