A arte de envelhecer segundo Cícero

Atualizado em 12 de junho de 2013 às 19:32
Cícero

Envelhecer é um pesadelo para as pessoas. Há uma luta inútil e muitas vezes patética pela juventude eterna. E uma indústria prospera por trás dessa batalha: dos cirurgiões plásticos aos fabricantes de tintura para cabelos. Um medicamento afirma poder devolver a potência da juventude a homens de meia idade ou anciões, outro promete deter a queda dos cabelos e até restabelecer franjas que o tempo levou. A mídia, compreensivelmente, uma vez que o tema é campeão de audiência, dá um amplo espaço aos vendedores de juventude. Basicamente, o que explica tudo isso é a angústia que nos toma quando percebemos que não somos tão jovens assim. Temos uma opinião negativa da velhice. Daí a origem da nossa aflição, que não é um assunto novo.

Desde sempre a humanidade se deixou atormentar por esse fantasma. Muitos filósofos se detiveram sobre o tema e se esforçaram para nos ajudar a lidar melhor com a passagem do tempo. Um deles foi Marco Túlio Cícero (106 – 43 a.c.), estadista e pensador romano que se transformou no símbolo supremo da oratória. Em sua obra Saber Envelhecer (L&PM), Cícero enumera as vantagens desprezadas da velhice. Na dedicatória, ele diz: “Senti tal prazer em escrever que esqueci dos inconvenientes dessa idade; mais ainda, a velhice me pareceu repetidamente doce e harmoniosa”.

Cícero comenta um fato incontestável: “Todos os homens desejam avançar a velhice, mas ao ficarem velhos se lamentam. Eis aí a conseqüência da estupidez”. Depois ele toca em outro ponto crucial, que vale para tudo na vida: uma vez que somos submetidos a obstáculos e desafios, e que a sorte instável ora nos ergue e ora nos derruba, o que muda mesmo é a maneira com que cada um de nós lida com sua cota de agruras. Um mesmo aborrecimento é leve para uns e insuportável para outro. Afirma Cícero: “Os velhos inteligentes, agradáveis e divertidos suportam facilmente a idade, ao passo que a acrimônia, o temperamento triste e a rabugice são deploráveis em qualquer idade”.

Cícero é mordaz e divertido. Quando toca na questão da alardeada perda de memória dos anciões, ele contrapõe: “A memória declina se não a cultivarmos ou se carecemos de vivacidade de espírito. Os velhos sempre se lembram daquilo que interessa: promessas, identidade dos seus credores e devedores, etc”. Permanecer intelectualmente ativo é uma forte recomendação dele. Cícero lembra que Sófocles em idade avançada ainda escrevia suas tragédias. No fim da vida, Sócrates aprendeu a tocar lira. Catão, na velhice, descobriu a literatura grega. “Acaso os adolescentes deveriam lamentar a infância e depois, tendo amadurecido, chorar a adolescência? A vida segue um curso preciso e a natureza dota cada idade de suas qualidades próprias. Por isso, a fraqueza das crianças, o ímpeto dos jovens, a seriedade dos adultos, a maturidade da velhice são coisas naturais que devemos apreciar cada uma em seu tempo.”

Ler Cícero vale muito mais que qualquer botox.