Como tirar proveito dos nossos inimigos

Atualizado em 18 de setembro de 2013 às 10:13

Eles nos obrigam a andar pela linha reta, uma vez que seus olhos estão continuamente sobre nós, ávidos por captar nossas faltas e propagandeá-las.
1wdfh

Plutarco (66-120), grego de Queronéia, é objeto de admiração como grande biógrafo. Ele escreveu Vidas Paralelas, um clássico no qual comparou personalidades similares da Grécia e de Roma: os generais César e Alexandre e os oradores Cícero e Demóstenes, para citar dois exemplos. Sabe-se que Shakespeare se inspirou na obra de Plutarco para compor alguns de seus dramas históricos. E que Montaigne utilizou as histórias narradas por Plutarco para fazer a maior parte de suas reflexões filosóficas.

Mas Plutarco foi mais que um biógrafo. Foi um filósofo também. Ele sofreu a influência da escola estóica, fundada por Zenão, caracterizada pela austeridade, pelo desapego e pela força nas adversidades. Plutarco escreveu bons tratados de conduta moral. A editora Martins Fontes juntou dois deles num só volume de pouco mais de 120 páginas. Um deles mostra como distinguir bajuladores e amigos. O outro fala como se deve lidar com os inimigos. O titulo dado pela editora, baseado neste último, é irresistível: Como tirar proveito de seus inimigos.

Plutarco não traz uma visão malandra, como se pode pensar numa primeira e rápida leitura do título, mas decente, sábia, e nem por isso menos útil. Ele recorre a outro filósofo grego, Xenofonte, para dar início a seu pequeno ensaio: “É próprio de um homem ponderado tirar proveito de seus inimigos”. E depois cita mais um pensador grego, Diógenes, para mostrar o coração, a alma de sua tese: “Como me defenderei contra meu inimigo? Tornando-me, eu próprio, virtuoso”.

Os inimigos, reflete Plutarco, como que nos obrigam a andar pela linha reta, uma vez que seus olhos estão continuamente sobre nós, ávidos por captar nossas faltas e propagandeá-las. Eles exercem uma espécie de censura benigna sobre nós. Impedem-nos de sermos moralmente frouxos. É aí que tiramos proveito deles, segundo Plutarco. “A inveja de nossos inimigos é um contrapeso à nossa negligência”, diz ele. “Além disso, nós nos vingamos utilmente de um inimigo afligindo-o com o nosso aperfeiçoamento moral”.

Plutarco recomenda generosidade com os inimigos. Ele cita uma história exemplar. César, numa das guerras civis romanas, derrotou Pompeu, a quem sempre admirou. Uma de suas primeiras ordens foi para que fossem reerguidas as estátuas derrubadas do grande general abatido e morto. Disse sobre isso Cícero a César: “Ao reerguer as estatuas de Pompeu, você consolidou as suas”

O aperfeiçoamento moral de que tanto fala Plutarco incluía um esforço dedicado e paciente para louvar os inimigos e evitar rancor diante de seu sucesso. O que há de mais belo nesse esforço é que assim ficamos cada vez mais longe de invejar o sucesso não apenas dos nossos inimigos – mas também, e mais importante, dos nossos amigos.

Este artigo foi originalmente publicado na revista Vida Simples.