A declaração machista e retrógrada de Ricardo Barros sobre a saúde preventiva. Por Nathali Macedo

Atualizado em 12 de agosto de 2016 às 19:17
Ricardo Barros
Ricardo Barros

O Ministro da Saúde Ricardo Barros é a cara do governo Temer: homem branco, cis, hétero, sulista e com opiniões retrógradas.

Ele comentou o resultado de uma pesquisa feita pela ouvidoria da pasta em 2015, segundo a qual 31% dos entrevistados afirmaram não terem o hábito de recorrerem às unidades de saúde para buscarem prevenção de doenças: “Uma questão de hábito, de cultura, até porque os homens trabalham mais, são provedores da família e não acham tempo para se dedicar à saúde preventiva.”

A primeira coisa que pode ser extraída dessa desleixada justificativa é a insensibilidade de Barros – insensibilidade que, aliás, também é a cara do governo interino – em relação aos recortes de gênero necessários para se fazer política no Brasil.

Homens não são os provedores da família há algumas décadas, mesmo porque há muito mais tipos de família entre o céu e a terra do que supõe a vã filosofia da bancada evangélica.

A família nuclear – o homem provedor, a mulher que cuida da casa e os filhos pequenos – é apenas um dentre tantos modelos de família.

Afora que, desde a Revolução Industrial, as mulheres foram inseridas no mercado de trabalho – o que não significou autonomia, como de fato ainda não significa, dada a exploração do capitalismo patriarcal. Mas também não significa que as mulheres têm se limitado aos serviços domésticos.

Segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, em 2014, mais de 38% dos lares brasileiros eram providos por mulheres.

Ainda que as mulheres se dedicassem integralmente ao lar, supor que serviços domésticos são menos desgastantes do que o trabalho que se faz fora de casa é também de uma insensibilidade inacreditável. Cuidar da casa e dos filhos não é um trabalho menor. Há muitas mulheres que ainda fazem esta escolha, e nem por isso sobra-lhes mais tempo para cuidar da saúde preventiva.

A razão para que cuidemos da nossa saúde preventiva com mais afinco que os homens é mais complexa, eu diria: ninguém jamais nos ensinou que somos imbatíveis.

O Brasil é imenso e em cada canto dele há homens com hábitos culturais imbuídos de um machismo assassino, inclusive para eles próprios: ir ao médico não é coisa de macho.

 

Enquanto homens morrem por não serem incentivados a cuidarem da própria saúde – o que, ao que parece, ainda é visto com um sinal de fragilidade – as mulheres são convencidas de que são imundas por uma indústria farmacêutica doentia (vide a quantidade assustadora de marcas de sabonetes íntimos femininos no mercado).

O que se quer dizer com isso é que o desleixo com a própria saúde – uma afirmação tácita de força e virilidade – é um dos valores patriarcalistas mais prejudiciais aos homens.

E estes homens que criam justificativas para não cuidarem da própria saúde estão sendo dizimados e continuarão sendo enquanto não compreenderem que o machismo também oprime aos homens, não apenas quando lhes diz que não devem chorar em público porque sensibilidade não é coisa de macho, mas também em casos mais complexos e mais preocupantes como este.

Para os homens, repensar os próprios valores no sentido de reconhecer os próprios privilégios e apoiar a luta por igualdade de gêneros não é, há muito, apenas uma questão de bom-senso: é questão de saúde.

Mas, ao que parece, nem mesmo o Ministro da Saúde compreende isso.