A “imparcialidade” do JN nas entrevistas com os presidenciáveis

Atualizado em 21 de agosto de 2014 às 16:48

jornal nacional

 

A série de entrevistas dos presidenciáveis ao Jornal Nacional – tristemente dividida em dois pela morte de Eduardo Campos – chamou atenção pelo chumbo grosso despejado por William Bonner e Patrícia Poeta. Se a postura diante de Dilma era mais do que esperada, a atitude combativa perante Aécio Neves foi comemorada por boa parte da esquerda.

Diante de milhões de telespectadores, o tucano teve dificuldades para responder perguntas embaraçosas, especialmente a respeito da construção do aeroporto de Cláudio, que durante um bom tempo pareceu ter sido varrida para debaixo do tapete pelos veículos das Organizações Globo.

É preciso, porém, estar atento ao que ficou encoberto no fogo cerrado dispensado pelos apresentadores sobre os candidatos.

Uma das pistas para desvendar o que está por trás de tal posicionamento foi entregue por Bonner ainda antes de iniciar as questões quando ele, em situação repetida nas quatro sabatinas, afirma que as perguntas iriam abordar “questões polêmicas das candidaturas e o desempenho deles (candidatos) em cargos públicos”. Na verdade, a temática das discussões poderia ser resumida basicamente em duas palavras: ética e moral.

A Globo reforça uma vez mais o discurso contra a classe política (e a política em si), ampliando a descrença do povo em seus representantes, sejam eles de qual tendência forem. Mais: encaminhando a conversa apenas para o conteúdo moral das ações dos candidatos antes da campanha, estes aparecem reduzidos a um denominador comum, indiferenciados.

Por outro lado, se a opção da equipe do jornal fosse por promover o livre debate de ideias para o país nos próximos quatro anos, se veria mais claramente a grande distância que existe entre cada um deles, especialmente entre Dilma e Aécio, candidatos das duas principais correntes que se batem há 20 anos pela presidência.

Menos comentada que a do tucano, a presença de Eduardo Campos na bancada do JN – tragicamente sua última aparição pública – guardou uma outra pérola. Os seis minutos finais foram reservados para indagar ao pessebista sobre possíveis contradições em sua aliança com Marina Silva, agora na cabeça de chapa do partido, e na demora em deixar a base de apoio ao governo do PT, feita apenas no final do ano passado. Novamente, o interesse da Vênus Platinada no tema é explícito.

Para dar corda ao “contra tudo que está aí”, pensamento que beneficia a Globo enormemente já que não questiona seu papel de mediadora do debate público, a empresa demoniza qualquer alteração no xadrez político como se este devesse ser estanque, refratário a rearranjos, quando, na verdade, este jogo é jogado de maneira diametralmente oposta, baseada numa série interminável de arrumações e rearrumações.

Cabe aqui um exemplo objetivo. O abraço de Lula em Paulo Maluf que selou o apoio do PP do ex-prefeito de São Paulo à candidatura de Fernando Haddad ao cargo em 2012. Rejeitado tanto à direita, que parece esquecer de onde Maluf vem, quanto à extrema-esquerda, a aliança representou mais tempo de televisão para o petista e teve influência em sua vitória. Eleito, Haddad vem fazendo bom trabalho. Será que, pautado por um espírito de pureza que não tem vez na política, teria sido melhor liberar espaço para a ascensão de Serra ou Russomanno ao Palácio do Anhangabaú?

Por fim, um outro ponto incômodo chama a atenção nas entrevistas do Jornal Nacional. Em todas elas, a dupla de apresentadores tentou arrancar dos presidenciáveis o compromisso de realizar cortes “severos” – o termo foi usado por Poeta durante pergunta a Campos – nos gastos públicos em 2015.

Escudada em opiniões de economistas e na necessidade de medidas firmes contra a inflação, o que a Globo quer, na verdade, todos sabemos: a redução do Estado, a diminuição dos direitos trabalhistas e o aumento dos lucros rentistas, ou seja, a velha receita neoliberal que afundou o país na década de 1990 e tem deixado a Europa presa na crise iniciada em 2008.

A postura ficou mais marcada na conversa com o Pastor Everaldo. Ultraconservador social e economicamente, o candidato do PSC prometeu privatizar a Petrobrás no que foi rebatido por Bonner se “sua defesa do liberalismo era sincera ou uma conveniência eleitoral” já que, em outros tempos, ele havia sido aliado de Brizola, Lula e Dilma (“todos eles que têm lá suas simpatias ideológicas pelo socialismo”, nas palavras do âncora).

Portanto, ainda que seja interessante ver Aécio se embananar para explicar a reforma milionária de um aeroporto em terras de sua família, é fundamental ter cuidado para perceber que a imparcialidade da empresa inexiste e que ela, como sempre, joga contra o país. Além disso, fica difícil de acreditar que uma família que andou de mãos dadas com ditadores e governantes entreguistas, que sonegou bilhões em impostos, que adulterou a edição de debate presidencial, possa hoje ser alçada ao posto de bastião da moral e da ética nacionais.