A justiça poética de ver Eduardo Cunha no pântano da Lava Jato

Atualizado em 8 de janeiro de 2015 às 22:10
Teve o que mereceu
Teve o que mereceu

Há uma espécie de justiça poética no vendaval que arrastou o deputado Eduardo Cunha para o pântano da Lava Jato.

Pouco antes de ganhar o noticiário, ele se apressara em avisar, pelo Twitter, que era terminantemente contra qualquer espécie de regulação de mídia.

Provavelmente ele imaginara estar ganhando blindagem – e louvação — das grandes empresas de jornalismo ao adotar uma postura tão servil a elas e tão contrária à sociedade.

A reportagem da Folha que o colocou na Lava Jato deve ter sido, para ele, um choque extraordinário.

Você pode imaginá-lo dizendo: “Ei, amigos, eu estou do lado de vocês!”

Mas onde mais se percebe a justiça poética do caso é na argumentação de Cunha também no Twitter sobre o mérito jornalístico da Folha.

Num português manco de quem ou não sabe escrever ou está terrivelmente ansioso, Cunha produziu, sem querer, uma vigorosa defesa da tese de que as regras e a legislação do jornalismo devem ser revistas.

Ele criticou o fato de a Folha ter dado uma manchete com base numa declaração – sem prova.

Alguém vazou para a Folha que um participante da roubalheira – um certo “Careca” — dissera ter entregado a Cunha 1 milhão de reais desviados da Petrobras.

Jornalisticamente, Cunha tem um ponto.

Num mundo menos imperfeito, a imprensa não publicaria uma acusação daquelas sem provas. Por uma razão básica: pode ser mentira, e você está destruindo uma reputação.

Um editor nos Estados Unidos ou na Inglaterra não publicaria este tipo de coisa, não só por razões jornalísticas – mas porque haveria fatalmente problemas na Justiça, e a perspectiva de indenização pesada caso não fossem apresentadas provas.

Mas no Brasil as coisas são bem diferentes.

A imprensa, certa da impunidade jurídica, se acostumou a publicar acusações pesadíssimas contra aqueles de que não gosta – particularmente, contra os líderes do PT.

O momento supremo disso foi uma capa da Veja que trazia um dossiê – fajuto, se soube logo depois — segundo o qual Lula tinha contas no exterior.

Mesmo admitindo no texto não ter conseguido provar nada, a Veja foi adiante e publicou o dossiê – uma contribuição a mais para criar em seus leitores a imagem de um Lula corrupto e riquíssimo.

A Justiça nunca foi uma barreira contra este tipo de delinquência jornalística. A profusão de fotos em que aparecem juízes da Suprema Corte com jornalistas e donos das grandes empresas de mídia é reveladora da amizade cúmplice que une partes que deveriam se vigiar.

Como o alvo da mídia sempre foram líderes e partidos de esquerda, os políticos conservadores jamais se incomodaram com nada dos sucessivos “escândalos” sem prova.

Na verdade, sempre gostaram.

Eles só começaram a achar esquisito agora, quando o noticiário trouxe outros nomes que não os suspeitos de sempre.

Logo depois de Eduardo Cunha, apareceu na mesma situação, sob idêntica acusação, Anastasia, invenção de Aécio Neves.

Chega a ser engraçado ver Aécio dizer que é uma “covardia” publicar acusações sem prova contra Anastasia, ele que jamais tomou nenhum cuidado antes de usar contra adversários denúncias não comprovadas.

Toda sociedade avançada tem regras claras e rígidas que impedem que sejam publicadas acusações sem provas.

O Brasil, não.

Qualquer tentativa de discussão é cinicamente rechaçada, por pessoas como Eduardo Cunha, como uma “ameaça de censura”.

Talvez Cunha, agora, pense melhor a respeito da necessidade de debater os limites da mídia.