“A lei era outra”: a relação de FHC com a Odebrecht e a luta da Globo para tirá-lo da lista de Fachin. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 12 de abril de 2017 às 21:32
Fernando Henrique e Merval Pereira

 

Logo depois que o ministro Édson Fachin divulgou a lista com os nomes de autoridades que devem ser investigadas por suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e uso de caixa 2, a tropa de choque do PSDB na GloboNews entrou em ação.

No Jornal das 10, Merval Pereira e Cristiana Lôbo minimizaram as suspeitas contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, levantadas a partir do depoimento do Emílio Odebrecht, no acordo de colaboração do Grupo Odebrecht com a Justiça.

“Era um outro tempo, ainda sem doação de campanha de empresa e não tinha a prestação de contas como é hoje”, disse Cristiana Lôbo.

Merval ecoou: “A legislação era outra”.

Cristiana continuou: “E não tinha essa prestação de contas online, como se tem agora.”

Merval acrescentou: “Houve na ocasião denúncias de dinheiro, caixa 2 na campanha e tal, que foi debatida naquele momento e foi superado. Não houve nenhuma denúncia e nenhuma abertura de inquérito nem nada”.

Merval e Cristiana já eram jornalistas experientes quando a doação eleitoral de empresas foi admitida pela legislação, em 1993, depois do escândalo PC/Collor.

Era uma reação exigida pela opinião pública depois que as investigações sobre a corrupção no governo Collor revelaram o uso intensivo de caixa 2 das empresas para financiar campanhas eleitorais.

Se viveram aquele tempo, como jornalistas, por que Merval e Cristiana Lôbo usaram a televisão para divulgar uma falsidade, ou seja, de que não havia doação de empresas na época?

O interesse de blindar Fernando Henrique Cardoso tem uma explicação.

Fernando Henrique teve com a Globo uma relação que chegou aos segredos de alcova, quando a empresa manteve na Europa, recebendo sem trabalhar, a jornalista Miriam Dutra, que tem um filho que ela dizia ser do então presidente.

No governo de Fernando Henrique, a Globo recebeu financiamentos do BNDES e venceu, juntamente com empresas aliadas, leiloes de concessão de serviços públicos de telefonia.

O fato é que a proximidade do presidente Fernando Henrique Cardoso com o Grupo Odebrecht era conhecida até de empresas estrangeiras.

Em novembro de 1996, diretores do Grupo De Beers, da África do Sul, controlado pela Anglo American, estiveram com Fernando Henrique Cardoso na Cidade do Cabo, África do Sul, para manifestar o desejo de um contato mais sólido com a Odebrecht, certamente com o objetivo de negócios comuns no continente africano.

Essa proximidade entre Fernando Henrique e a Odebrecht por pouco não se transformou num grande escândalo.

Sob o comando de Emílio, o Grupo Odebrecht, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, entrou no ramo petroquímico através de uma subsidiária, a OPP, que mais tarde se chamaria Brasken.

Emílio Odebrecht

Era 1995, o mesmo ano em que uma emenda constitucional acabou com o monopólio da Petrobras.

Em 1997, o senador Antônio Carlos Magalhães, então presidente do Senado, dizia reservadamente a alguns jornalistas que Fernando Henrique Cardoso estava pressionando o ministro das Minas e Energia, seu afilhado político, a assinar um contrato que beneficiava a Odebrecht.

Era um acordo operacional com as refinarias da Petrobras que daria à Odebrecht, que havia adquirido o controle da maior parte das refinarias recém-privatizadas, o monopólio virtual da indústria petroquímica no Brasil.

A expansão da Odebrecht no ramo petroquímico incomodou os concorrentes, como Carlos Eugênio Gouvêa Vieira, na época controlador do Grupo Ipiranga, e a empreiteira OAS, da qual o senador Antônio Carlos Magalhães era muito próximo.

Na ocasião, a partir das informações de ACM, a revista Veja — onde eu trabalhava como subeditor de Brasil, que cobria política –, publicou uma nota em que destacou a amizade de Fernando Henrique com Emílio Odebrecht e a suspeita de que o presidente pressionou para favorecer a Odebrecht.

Nos seus “Diários da Presidência”, Fernando Henrique registra seus encontros com Emílio Odebrecht, a quem elogia: “Emílio tem sido sempre correto, e há tantos anos”.

“Falei longamente com Emílio Odebrecht sobre a Petrobras. Ele conhece bem. Ele trabalha na petroquímica e tem certa visão do Brasil, não é simplesmente um ganhador de dinheiro”, afirma Fernando Henrique, a respeito de um encontro em março de 1997.

Os encontros continuam, mas o tom elogioso desaparece a partir de setembro de 1997, quando saiu a nota na revista Veja.

No livro, Fernando Henrique trata do episódio, registra que sabe que ACM foi a fonte da revista e admite que Emílio Odebrecht sempre ajudou financeiramente nas suas campanhas, “desde quando eu não tinha o prestígio que tenho hoje; é verdade, ele contribuiu, como todos”.

No depoimento que prestou ao juiz Sérgio Moro, Emílio Odebrecht diz que contribuições por fora sempre foi “o modelo reinante” e “para todos os partidos”.

O juiz pergunta se ele havia conversado com o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci sobre doações para o Partido dos Trabalhadores.

Emílio diz que não, mas sabia que houve, já que a prática era contemplar a todos.

O juiz reformula a pergunta: quer saber se alguém da empresa lhe relatara se Palocci era um dos beneficiários dos recursos não contabilizados.

“Não, mas com certeza me trouxeram em vários momentos que todos os partidos tiveram”.

Moro encerra o depoimento, sem obter a resposta que insistentemente buscava: que ele entregasse Palocci e o PT.

Como se vê no depoimento de Emílio Odebrecht, a corrupção na empresa — ou prática de doar “recurso não contabilizado” — não nasceu com o governo do PT.

O governo de Fernando Henrique já recebia (e certamente os outros antes dele também).

Mas, para jornalistas como Cristiana Lôbo e Merval Pereira, isso não é notícia.