A lição de jornalismo do entrevistador da BBC que enquadrou FHC. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 30 de setembro de 2015 às 14:11
Neoliberal constrangido
Neoliberal constrangido

As escolas de jornalismo deviam passar a a seus alunos, como aula, a entrevista que a BBC fez com FHC em 2007.

“Entrevista? É assim que se faz”, este seria o introito.

Não existe nada remotamente parecido no jornalismo brasileiro mainstream com aquela entrevista. (Você pode vê-la completa aqui, com legendas.)

Primeiro, o autor, Stephen Sackur, está preparado. Ele sabe do que está falando, e bem.

Depois, ele é altivo sem ser, jamais, desrespeitoso.

O entrevistador está claramente preocupado em fazer um bom trabalho e, assim, servir o público.

O nome que se dá a isso é jornalismo.

Repare a dificuldade que FHC, sempre blindado e mimado pelos entrevistadores brasileiros, enfrenta na entrevista.

Ele parece uma criança, tamanha a insegurança.

É o preço que amigos da mídia como ele pagam: não estão preparados para desafios.

FHC não conseguiu enganar o entrevistador com seu blablablá sobre corrupção.

Teve que ser confrontado com o fato de que indicou para o cargo de procurador geral da República, ao longo de todo o seu mandato, um aliado que passou para a história com o apelido de engavetador-geral.

FHC tentou engabelar Sackur.

Disse que o engavetador tinha completa autonomia para mandar investigar denúncias de corrupção no seio do governo.

Prontamente ouviu: “Mas foi o senhor que nomeou.”

FHC procura continuar em sua desculpa esfarrapada, mas não consegue.

Jornalismo é assim.

Tivesse a imprensa brasileira se comportado profissionalmente com FHC ele não se atreveria, agora, a posar de virgem num lupanar ao falar de corrupção, e isso seria muito bom para o real enfrentamento da roubalheira.

Quando o cinismo se mistura ao moralismo na abordagem da corrupção, como é o caso de FHC, é uma tragédia para a sociedade.

Lateralmente, chama a atenção que FHC em nenhum momento da entrevista tenha pronunciado a palavra desigualdade, como se não fosse este o maior mal do país.

Ele está claramente desconfortável em ser chamado de neoliberal mais de uma vez.

Gostaria de passar para a história como um presidente de esquerda, para atender a suas vaidades de intelectual.

Faltou apenas uma coisa para isso: que agisse como um presidente de esquerda.

Repito.

Esta entrevista deveria ser estudada nas escolas de jornalismo brasileiras.

Talvez os alunos mais inquisitivos digam: “Mas a gente não vai poder fazer este tipo de coisa com amigos dos patrões.”

E é verdade.

Mas pelo menos todos saberão o que é jornalismo e, adicionalmente, quem é FHC.