A linha tênue entre a pichação e o grafite

Atualizado em 13 de maio de 2013 às 1:15

O que ninguém ainda disse sobre a disputa entre OsGêmeos e a prefeitura de São Paulo.

Obra d'OsGêmeos
Obra d’OsGêmeos

OsGêmeos tiveram que mudar o tom para manter suas obras no Viaduto do Glicério no centro de São Paulo. Suas inscrições anteriores foram apagadas por terem sido consideradas pichação e não arte. Elas, como em muitas obras da dupla, continham mensagens escritas. Desta vez, apenas um homem desenhado saindo de trás da tinta cinza.

O desenho desta vez não foi apagado. Mas é isso que diferencia a arte da pichação?

Obra apagada pela prefeitura
Obra apagada pela prefeitura

Certamente não é a presença da escrita. Ariano Suassuna, por exemplo, escreveu poesias em suas gravuras. Ou fez gravuras de suas poesias. Não importa. É arte. Gostar ou não delas, do ponto de vista estético ou literário, já é de cada um. Mas é arte.

A mensagem d’OsGêmeos, justa ou não, é a mesma, com letras ou sem. É só olhar. É óbvia ululante. Eis o erro, a falta de delicadeza da Subprefeitura da Sé, que ordenou que se apagasse as obras. Eles encanaram que desenho é legal, e escrita não.

Isto não quer dizer que OsGêmeos sejam vítimas neste caso. Apenas quer dizer que a prefeitura não tem a menor idéia do que é arte e o que não é. Mas sobre pichação… aí já é mais complicado.

Embora eu tenha falado em uma linha de divisão entre arte e pichação no título, estou pensando aqui que ela é tão, mas tão fina, que nem existe. Acho que elas se misturam. Pichação, na minha forma de ver, é qualquer coisa, por mais linda que seja, que é imposta à cidade. Ninguém pediu, mas ela está lá. É um ato egoísta, de acordo com o Onesto, um dos maiores grafiteiros da cidade. Mas a arte vive muito da rebeldia.

A pichação tinha uma função social de liberdade de expressão que foi praticamente perdida com o advento da internet e, sobretudo, das redes sociais. Qualquer coisa que pode ser pintada num muro pode ser dita no Facebook. São meios diferentes, mas a mensagem pode ser a mesma. A diferença é que nas redes sociais a mensagem pode ser simplesmente ignorada, e quando pintada num muro ela é permanente – ou ao menos até que seja apagada. Mas aí, depende única e exclusivamente da força e do apelo da mensagem.

Obra que a prefeitura deixou
Obra que a prefeitura deixou

O que tem ainda de função do ponto de vista de liberdade de expressão é atingir uma parcela cada vez menor da população que não tem acesso à internet e às redes sociais.

Isto posto, quando OsGêmeos escrevem sobre liberdade de expressão em suas obras, tenho a impressão de que eles confundem isso com vício em adrenalina. Quem está honestamente preocupado em passar uma mensagem, não faz questão que seja num muro da cidade. Isso é prazer particular.

O que não quer dizer que o meio onde uma obra de arte é feita não seja relevante. Pode ser. Mas, novamente, uma mensagem forte é forte em qualquer meio. Não é a Capela Sistina que faz o Michelângelo. A obra poderia estar numa tela, num muro ou tatuada numa bunda. Se ela tem sucesso como arte, ela vai emocionar igualmente. É o Michelangelo que faz a Capela Sistina.

Da mesma forma, a mensagem d’OsGêmeos é forte, e será forte no meio que for. Até em panfletos mal impressos.

Acredito que OsGêmeos realmente estão interessados na arte, e considerando que todos os artistas o estejam, me parece relativamente fácil de resolver: estipula-se com clareza onde pode e onde não pode. E com generosidade por parte da prefeitura – não tem nenhum motivo para que, por exemplo, o Viaduto do Glicério não seja um lugar livre para grafite. Ou poesia. Ou, sei lá, crônicas, partituras de música. As obras poderiam – ou deveriam – ser patrocinadas inclusive. É um custo baixo para a prefeitura manter seu status de capital mundial do grafite – até porque é algo que atrai turistas. É um dinheiro que volta.

E quando eu digo “com clareza”, eu penso em colocar placas. “Área livre para grafite”. Com generosidade, mostrando o interesse na arte, em que haja cada vez mais, e não com aquele tom de sindica chata que nós vemos costumeiramente.

Artistas como OsGêmeos já estiveram em muitas cidades do mundo pintando. Pintaram a fachada da Tate Modern, em Londres, quando eu morava lá. Eles sabem como uma cidade daquelas é generosa com os artistas quando eles trabalham em lugares autorizados, e como é rigorosa quando, em lugares proibidos, considera que se faz ato de vandalismo.

Agora pense no seguinte: você consegue imaginar OsGêmeos em Londres numa disputa dessas com a prefeitura local? Provavelmente eles não o fizeram, porque estariam presos ou seriam extraditados e jamais poderiam voltar. Acho chato fazer uma coisa lá e outra aqui. São Paulo não é, em nenhum aspecto, menos respeitável que Londres, Nova Iorque ou Tóquio – embora, ok, possivelmente nossa classe política seja.

As nossas cidades têm que ser bem cuidadas. E também têm que ter arte. E é muito mais uma questão cada um encontrar o seu lugar do que qualquer coisa.

Otávio e Gustavo Pandolfo, ou OsGêmeos
Otávio e Gustavo Pandolfo, ou OsGêmeos