A mucama de Angélica

Atualizado em 9 de março de 2015 às 12:29
Angélica a caminho do Projac
Angélica a caminho do Projac

 

 

Uma assistente roubou a cena no episódio em que a apresentadora Angélica foi hostilizada na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Prestativa, a moça negra segura um guarda-sol enquanto Angélica sai das instalações da universidade. Não demorou para surgirem no Twitter comparações à relação sinhá-mucama do passado escravocrata do país.

Em um primeiro momento a analogia parece exagerada. Assistentes levando sombrinhas para artistas são parte da rotina da TV e do cinema, como lembrou a atriz Mika Lins.

“Não sou amiga da Angélica mas não posso ser hipócrita: quando gravamos externa na Globo sempre tem uma equipe da produção que nos protege do sol ou da chuva enquanto esperamos para gravar. Isso para não derreter o make ou molhar cara, cabelo e figurino. Já tive alguém segurando a sombrinha para mim, sem que essa pessoa estivesse em situação de humilhação e sem que eu a deixasse de tratar com respeito pelo (sic) sua função naquele momento. Segurando um guarda chuva, me trazendo uma cadeira ou servindo um copo d´agua”, escreveu em sua conta no Instagram.

Congelada e isolada do contexto, é uma cena qualquer de bastidor de produção televisiva. No máximo mostra como as celebridades são bajuladas. Não pode ser comparada, em relação ao significado, a um quadro de Debret, pintor francês que documentou cenas da sociedade brasileira do século XIX.

Lázaro Ramos, por exemplo, já foi flagrado em situação parecida durante a gravação de uma novela. Chamá-lo de capitão do mato por causa da foto seria imbecilidade das grandes.

Mas as circunstâncias do incidente na UniRio permitem sim associar a postura da assistente com o papel das mucamas – escravas que faziam trabalhos domésticos e serviam às senhoras durante os passeios.

Angélica, ali, não era apenas uma apresentadora loirinha e bonitinha gravando um programa de amenidades. Ao ser expulsa de uma universidade pública sob os gritos de “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”, ela personificou uma empresa de comunicação alinhada com tudo o que significa de mais atrasado: apoio à ditadura militar, jornalismo tendencioso, manutenção de estereótipos raciais, teledramaturgia alienante e sonegação fiscal.

No campus da UniRio foi encenada uma peça onde os papéis estavam bem definidos. A Globo era a Casa Grande. Angélica era a sinhá contrariada e a assistente, com todo respeito, encenou muito bem o papel de mucama.