“Acabou o sonho de educação internacional do Brasil”: carta aberta a Temer pelo fim do Ciências Sem Fronteiras. Por Paulo Zambarda

Atualizado em 15 de agosto de 2016 às 7:22

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O texto abaixo foi escrito por Paulo Zambarda, irmão do colunista Pedro Zambarda.

Caro presidente Michel Temer,

O senhor cancelou no dia 26 de julho o programa Ciências Sem Fronteiras para estudantes de faculdades no Brasil. Eu sou formado no curso de Jogos Digitais da PUC-SP e fui intercambista por um ano no CSF, entre 2012 e 2013.

O fim do programa me força a escrever sobre a minha própria experiência para que o senhor e outras pessoas entendam.

Acabar com uma iniciativa dessas é negar a muitos brasileiros o direito a uma educação com experiência estrangeira, explicando resumidamente.

O governo se justifica por conta da crise econômica que enfrentamos e a falta de investimento na educação básica. Mas, antes de tratar o Ciências Sem Fronteiras como um luxo de universitários fora do Brasil, acho bom contar para onde fui e o que eu fui fazer lá.

Eu viajei com meu intercâmbio até a cidade de Oulu, ao norte da Finlândia, uma das regiões da Escandinávia, no norte da Europa. Para ter a aprovação, eu precisei passar num teste de fluência em inglês, que foi atestada pelo próprio governo com rigor há quatro anos.

Paulo em Oulu, na Finlândia
Paulo em Oulu, na Finlândia

Mas conseguir um papel aprovado não foi suficiente.

No local, as línguas faladas no país eram finlandês, inglês e sueco. Então mesmo falando uma delas, foi preciso adaptar a linguagem que usava para me comunicar com pessoas. O cidadão da Finlândia médio fala um inglês razoável, mas diferente do americano e do britânico. E eu tive que provar que todos os meus documentos estavam ok para autoridades policiais e funcionários públicos.

A cultura é tão diferente que eu me interessei e busquei aulas de finlandês. Lá eu descobri um idioma que provavelmente muitos brasileiros não sabem da existência.

Depois da barreira linguística, veio os obstáculos acadêmicos. O edital do programa exigia um número mínimo de créditos adquiridos estudando disciplinas que também estavam na faculdade escolhida.

Eu optei por fazer meu intercâmbio na Oulu Yliopisto, conhecida pelo nome de Universidade de Oulu. Para quem não conhece a instituição, ela é uma das entidades de ponta na pesquisa de novas tecnologias para a internet e é berço de desenvolvedoras de games. Na época, a Finlândia ainda vivia a explosão do Angry Birds e permitia que alunos conhecessem a inovação de grandes empresas como a Nokia, um patrimônio nacional.

Dentro da universidade naquele país frio, que faz menos 35 graus no inverno, eu vi pesquisadores buscando a web 3D e muitas outras inovações.

Mas a grande experiência de um moleque de 21 anos não aconteceu apenas na sala de aula. Eu convivi dentro do meu dormitório com intercambistas belgas, alemães e até do Oriente Médio. Era gente do mundo todo interessada em estudar games num grande polo tecnológico.

Na época eu tinha pouca experiência fora do seio da família. Nasci e estudei na cidade de São Paulo a vida toda e não tinha nutrido a ideia de viver por conta própria. Aprendi a cozinhar, a lidar com o frio extremo, fora lidar com dias com mais horas sem sol e outros com abundância de luz.

Nem sempre conviver com culturas diferentes era fácil e existiam sim desentendimentos. Mas o que fazíamos para superar a barreira da língua e da cultura nos tornou pessoas melhores.

E os amigos que fiz lá viajaram comigo até outros países da Europa, mas isso só aconteceu no período do fim das aulas, nas férias. Conhecemos a Noruega de balsa juntos, passamos o final de ano em Praga, na República Tcheca, e andamos de trem por Paris, Berlim e outras capitais.

O Ciências Sem Fronteiras me permitiu amadurecer como cidadão do mundo. Se não fosse pelo programa, eu nunca teria tido uma vivência no exterior que fizesse a diferença no meu currículo hoje. Minha família não teria condições de bancar uma viagem daquele tipo.

O seu governo está acabando com o sonho da educação internacional no Brasil. Por isso, presidente, eu espero sinceramente que entenda a gravidade do que já fez.

Cordialmente, 

Paulo.