Os cavalos maltratados em carroças tem o campo de visão limitado pelos antolhos. Em Brasília, foi construído um muro.
“ – Quem estará nas trincheiras ao teu lado?
– E isso importa?
– Mais do que a própria guerra ”
Esse diálogo, atribuído a Hemingway ou Clarice Lispector por milhares na internet, deveria ser o de milhões de brasileiros essa semana.
Só que muitos parecem ter vergonha dos seus companheiros de luta.
Como um cavalo com antolhos, nem olham pro lado quando o bonde passa e grita Bolsomito. Imagine FHC levando seus amigos da Sorbonne a um evento com discurso de Malafaia, Alexandre Frota, Janaína Paschoal… – enquanto do outro lado do muro cantam Chico e Caetano.
A elite tradicional burguesa que apoia o golpe ainda não aceita seus novos companheiros de trincheira no Country Club. Ela se considera civilizada, chique, cosmopolita, descolada, amante das belas artes e vê Bolsonaro como um palhaço inofensivo. Só teme ou odeia Lula.
Eduardo Cunha, ela aceita quase de boas, até ele ser preso. E Michel Temer é um deles.
Assim habitam pacificamente no mesmo lado do muro: bolsonetes, olavetes, kataguirianos, reis do camarote, fascistas, aliados de Cunha e Temer, o pato da FIESP e o cidadão de bem.
O cidadão de bem, nesse caso, é o cidadão médio, meio ignorante, meio de direita, que tem a visão limitada pela mídia e pela falta de leitura. Que não será beneficiado direta ou indiretamente pelo golpe, e acredita que o impeachment é contra a corrupção. Que ignora que o documento aprovado por Cunha nada tem a ver com isso, e que até poderia mudar de lado, fosse ele bem informado.
É isso o que parece mais irritar os que estamos do outro lado do muro. Não fosse a mídia tão suja e a alienação tão imensa, hoje as batalhas poderiam ser outras.
Essa disputa prolongada pelo poder, por um grupo que acredita dispor dos meios necessários para reverter a derrota nas urnas, custe o que custar, esvazia a real luta política, a que de fato pode melhorar a vida das pessoas.
No circo que foi montado, temos um espetáculo vazio de sentido e cheio de horrores.
Pode servir de consolo a certeza de que a história saberá reconhecer os palhaços