Carta a Kim Kataguiri sobre seu vídeo do aborto. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 1 de dezembro de 2016 às 8:40

IMG_0718

Caro Kim Kataguiri,

Escrevo em razão do seu vídeo de posicionamento quanto à descriminalização do aborto. O Brasil estava, de fato, ansioso para finalmente descobrir o que um ícone como você tem a dizer sobre matéria tão importante de nosso país.

Para nós, mulheres, é essencial ouvir sua opinião embasada em argumentos entediantes, de tão comuns, para que tomemos partido sobre uma questão que diz respeito unicamente aos nossos corpos.

Mas faço, antes, um pedido simples, e conto com seu cavalheirismo e gentileza, esperando que me atenda: Pare de falar feito um apresentador de programa sensacionalista barato. Me sinto assistindo ao Balanço Geral, e é uma sensação desconfortável, para dizer o mínimo.

Como mulher e militante feminista, quero te agradecer, também, por ter esclarecido que não é prerrogativa do Supremo Tribunal Federal legislar – nem na escola, nem na faculdade de direito, nem em nenhum outro lugar eu ouvira falar em uma coisa chamada Tripartição de Poderes, inclusive não faço ideia de quem seja Montesquieu.

Eu não esperava menos de você, que valeu-se do vencedor absoluto entre todos os argumentos ilógicos daqueles que são contra a descriminalização: “Como é que a gente vai desrespeitar o direito à vida?”

Brilhante.

Você e os demais conservadores, preocupados com um embrião fecundado, estão, de fato, colaborando muito para a promoção do Direito à vida, ainda que sequer reflitam sobre que tipo de vida terão as crianças indesejadas ou sobre vida das mulheres que morrem vítimas de abortos clandestinos – uma a cada nove minutos, você deve estar inteirado acerca disso.

Considero louvável, também, a sua preocupação com o respeito à Constituição de nosso país. Justo você, o protagonista do Movimento que apoiou, com pato em frente à FIESP e panelas importadas, a um golpe que fere de morte a Constituição Federal e a Democracia – Impeachment sem crime é golpe, você também deve estar inteirado.

E que primor quando você rebate nosso coro “Meu corpo, Minhas regras” dizendo que “O feto é outra pessoa!”

Até as vinte e quatro semanas, é uma “pessoa” sem terminações nervosas e sem consciência, o que significa que, na verdade, a ciência discorda de você. Mas o que é a ciência diante das crenças dos defensores da moral e dos bons costumes, não é mesmo?

A imagem ampliada que você usou no vídeo em questão certamente dará conta de desviar o foco desse pequeno incidente anti-científico de seu discurso, mas, em tamanho real, o feto cabe na palma da mão, com folga – seria isto desonestidade intelectual ou burrice, mesmo? Eis um mistério aparentemente sem solução.

E, por fim, você não poderia ter arrebatado seu discurso de modo mais sensacional: dizendo que a descriminalização do aborto não tem embasamento moral.

Conte-me um pouco mais sobre a moral de quem bateu panela “contra a corrupção” e agora silencia diante do país afundado por Michel Temer? Onde está a moral de um Movimento que se diz apartidário mas é apadrinhado pelo líder do Partido Democratas?

A moral da direita conservadora diz-se pró-vida ao mesmo tempo em que brada que “bandido bom é bandido morto?” Quanta coerência, é de encher os olhos!

Não te culpo, porém, pelas baboseiras. Você é o típico menino sem nada na cabeça que pensa que sabe tudo, mas só um menino sem nada na cabeça com acesso ao Google.

Cordialmente,

Nathalí