Chico não merece a estupidez do ‘Rei do Palco’. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 20 de março de 2016 às 20:55
Mundos de distäncia: Chico e Botelho
Mundos de distäncia: Chico e Botelho

O ator Cláudio Botelho escancarou, a plenos pulmões, o racismo e o fascismo que nós temos conhecido bem.

O “rei do palco”, como ele mesmo se autodefiniu, interrompeu o espetáculo “Todos os musicais de Chico Buarque” para proferir as frases clichês e sem criatividade repetidas fervorosa e mecanicamente nos protestos pró-golpe: FORA DILMA, FORA LULA!

A plateia, que certamente só buscava entretenimento sadio em meio à tensa situação política que temos vivido, reagiu com gritos de “Não vai ter golpe!”. Alguns simplesmente retiraram-se.

O ator, indignado por não ter tido a própria ignorância política endossada por sua plateia, disse: “O artista no palco é um rei! Não pode ser peitado! Não pode ser interrompido por um nego, por um filho da puta!”

O tiro saiu pela culatra. E a indignação abriu as portas para que o racismo e o ódio gratuito fossem extravasados. Vergonha alheia para mim e para todos os verdadeiros atores, creio.

Botelho levou a sério demais a máxima de que é o ator quem faz o espetáculo, e não o personagem. Resolveu, sob este pretexto, destilar a própria alienação num teatro lotado – lotado, aliás, de espectadores que pagaram até $100 para assistirem a um musical sobre Chico Buarque de Holanda.

Não foi a defesa de um posicionamento político no palco que me incomodou, mesmo porque os artistas – veja bem, os verdadeiros artistas – têm um papel importante em todos os processos políticos.

O que quase chega a ser patético é proferir no palco, este espaço sagrado, uma frase tão clichê, tão vazia de ideologia, tão fervorosamente repetida por fascistas nas ruas. O que dói, na verdade, é perceber que nem os teatros estão a salvo da ignorância, da violência, da alienação. Dói ver que não basta desligar a TV: o fascismo – e o racismo, neste caso específico – te esperam onde quer que você vá.

Tenho muito orgulho de ter feito teatro. Encontrei, na coxia, gente politizada, a favor das liberdades, da expressão artística livre, de um país verdadeiramente mais justo. Encontrei gente que tem orgulho de ser o que é e que me ajudou a construir quem sou. E, sobretudo, encontrei resistência: resistência à inatividade artística e à alienação global, resistência aos ataques à democracia, resistência a todas as formas de preconceito e desamor.

É isso que o teatro sempre representou pra mim e por isso – principalmente por isso – é triste acordar e saber que há um ator fascista e racista usando a arte para um objetivo tão mesquinho.

Preciso saber em qual escola de teatro Cláudio Botelho estudou (para passar bem longe, é claro).