Como a esquerda ajudou a Globo a crescer e a chegar a 100 milhões de espectadores diários. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 23 de outubro de 2017 às 7:44
Lula no Jornal Nacional

A Globo iniciou campanha para exaltar a audiência da emissora — 100 milhões todos os dias — e abre oportunidade para o debate: como chegou a essa audiência, que guarda paralelo apenas em países totalitários, como Coreia do Norte?

No Brasil, esse monopólio também existe, conquistado com a mão forte de um grupo que se habituou a emparedar políticos medrosos e contar com o apoio de um Judiciário conivente.

Não há como deixar de mencionar que, em 13 anos de governo, o PT não moveu um dedo no sentido de criar mecanismos para que haja pluralidade na comunicação.

Pelo contrário.

No período de maior fragilidade da emissora, o governo petista ajudou a socorrê-la.

Primeiramente, com verbas polpudas de publicidade.

Segundo levantamento divulgado em 2015 e nunca desmentidos, a Rede Globo e as cinco emissoras de sua propriedade receberam R$ 6,2 bilhões em publicidade federal entre 2003 e 2015.

Durante o governo Lula, segundo a revista Carta Capital, as emissoras da Globo chegaram a ficar com 59% da verba de publicidade do governo federal.

Foi proporcionalmente mais do que o governo de Fernando Henrique Cardoso destinou, em 2002, às emissoras da família Marinho (49%).

 

O resultado reforça o que, segundo o senador Roberto Requião, lhe disse José Dirceu, ainda chefe da Casa Civil, no início do governo Lula.

Requião teria sugerido o fortalecimento de uma emissora pública. Mas Dirceu disse que não havia necessidade, já que a Globo apoiava o governo.

Alguns anos depois, quando foi questionada sobre a implementação de mecanismos para regular a mídia — como existem em países da Europa –, a presidente Dilma Rousseff respondeu que a melhor regulamentação seria o controle remoto.

Bastava o telespectador mudar de canal.

Não, não é assim.

No livro A História Secreta da Globo, de Daniel Herz, já falecido, que lecionou na Universidade Federal de Santa Catarina, vê-se como a emissora construiu um império a partir de práticas ilegais, já na década de 60, principalmente no governo dos militares.

No documentário Muito Além do Cidadão Kane, cujos direitos de veiculação em TV aberta no Brasil pertencem à Record — mas nunca foi exibido –, também se toma conhecimento de como a emissora se fortaleceu a partir da redemocratização, no governo da chamada Nova República.

O DCM publicou uma série de reportagens que fiz que também revela a força da emissora, em período mais recente, quando deixou de ser punida por sonegar impostos para a aquisição de direitos de transmissão da Copa do Mundo, em 2002.

Nesse período, a Globo, apesar de acusada de sonegação, teve algumas de suas concessões renovadas. A deputada Luiza Erundina, então no PSB, hoje no PSOL, chegou a se movimentar para cobrar providências do governo.

Levantou oficialmente informações junto ao Ministério da Comunicação, então chefiado por Paulo Bernardo, mas parou por aí.

Na nova campanha, a Globo diz que fala para 100 milhões de uns — um seria você.

Não há como negar — dos militares ao PSOL, todos ajudaram a Globo nos últimos 52 anos.

O capital acumulado pela Globo, com as práticas conhecidas, permite a contratação de quadros qualificados e da manutenção de uma estrutura sem paralelo nos concorrentes.

Com isso, mantém audiência que fez dela um espécie de arena principal do debate político.

E a esquerda tem a ver com a consolidação desse modelo, que de democrático não tem nada.

Desde que Lula venceu, em 2002, tornou-se um hábito o presidente eleito comparecer à bancada do Jornal Nacional e dar a sua primeira entrevista exclusiva.

Dizer como pretende governar.

O poder se exerce com símbolos, e não há nada mais simbólico do que o presidente falar à Globo logo depois de sua eleição.

No Brasil, a Globo deixou faz tempo de ser uma concessão. O país é que se tornou uma concessão da emissora.

Já passou a hora de mudar de canal. Mas essa não é uma mudança que se faz apenas com o controle remoto.