Como o Roger do Ultraje se transformou no trolador oficial do Twitter

Atualizado em 2 de junho de 2013 às 23:14

Aquele cara espirituoso dos anos 80 encontrou uma segunda vida batendo boca com qualquer um — de cientistas a padeiros.

Inútil
Inútil

Em 1985, o Ultraje a Rigor lançou o bom disco Nós Vamos Invadir Sua Praia. A faixa-título estourou no Brasil inteiro e o álbum ainda tinha Inútil, Rebelde Sem Causa, Mim Quer Tocar e Marylou. A mistura de surf music e punk, mais as letras engraçadas de Roger, eram uma novidade e pegaram. Alguém o comparou a Adoniran Barbosa. Dois anos depois, o grupo lançou Sexo!!. Emplacou. Trilha de novela da Globo, shows lotados etc.

E então o Ultraje virtualmente acabou. Não totalmente por culpa própria. Continuaram lançando discos, mas o rock nacional já tinha deixado de tocar no rádio e na televisão. O momento havia passado. Um público fiel e cada vez menor continuou ouvindo aquelas letras de duplo sentido em canções como Crescendo, Filha da Puta, Ricota e por aí vai. Depois veio a administração da obsolescência da banda (que, da formação original, só tem Roger), coisa normal na vida de um artista.

Ou deveria ter sido normal. Aos 57 anos, tocando no programa do comediante Danilo Gentili, Roger descobriu uma segunda vida — no Twitter. Passa o dia denunciando o PT, o comunismo, Cuba, os impostos, enfim, todos os clichês imagináveis da cartilha da direita – absolutamente convicto de que está prestando um serviço aos brasileiros ao alertá-los para o perigo vermelho. Para coroar, virou um trolador.

Discutiu com todo o mundo. Ontem, conseguiu brigar com o cientista Miguel Nicolelis. Nicolelis, possível candidato brasileiro ao Nobel, gosta de narrar os jogos de seu time do coração, o Palmeiras (aliás, as narrações são uma bobagem, mas anyway). No meio de uma partida, Roger resolveu chamar Nicolelis de arrogante e teve como resposta: “O senhor é o tal Lobão?” Aparentemente, isso calou fundo em seu peito, a ponto de Roger gastar as teclas de seu computador insistindo que seu legado era mais importante que o de Nicolelis. Tomou diversas palmadas no intelecto (você pode ver aqui). Por que Nicolelis, ou qualquer pessoa, deveria saber quem é Roger?

Depois acusou o crítico de cinema Pablo Villaça de plagiador. Villaça, pegando carona na polêmica com Miguel Nicolelis, escreveu que Roger fora esquecido pela sua própria geração. O roqueiro não deixou por menos e tentou exibir suas credenciais: “meio milhão de seguidores, propagandas no ar com minhas músicas, programa diário”. É como alguém dando carteiradas desesperadamente na fila do supermercado. Daí em diante, a discussão descambou.

Villaça e Nicolelis acertaram Roger no coração. Para um artista, pior do que lidar com a fama é lidar com a ex-fama. Roger já disse que pensava em se aposentar. Tem medo de avião, o que lhe dificulta fazer turnês. Acompanhar Danilo Gentili não é a melhor coisa do mundo, mas ele está lá tocando sua guitarra e homenageando as bandas de que gosta com covers. Vive de música, o que é uma vitória.

Em nome do que fez nos anos 80, Roger deveria fazer um favor a si mesmo e pensar antes de se manifestar (o ideal era que contivesse a tagarelice, mas isso não vai acontecer). Seria muito menos constrangedor. Quem tinha alguma simpatia pela fanfarronice do Ultraje acaba encontrando um paleoconservador repetindo previsões apocalípticas sobre o Brasil. E aquele sujeito espirituoso virou um cinquentão amargurado, batendo boca alucinadamente em sua arquibancada digital, tentando a qualquer custo legitimar sua obra na base do grito e da ofensa. Não é divertido, não é instigante, não é inteligente e não tem nada a ver com rock’n’roll.

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