Como Bolsonaro, o Japonês da Federal enganou os oportunistas que queriam ser enganados. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 18 de julho de 2020 às 17:21

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A saga do Japonês da Federal, preso por facilitação de contrabando, encarna à perfeição o roteiro do impeachment.

Newton Ishii pegou quatro anos e seis meses de prisão em regime semi aberto por causa de crimes na fronteira do Panará com o Paraguai.

Foi condenado a pagar 200 mil reais e perdeu o cargo.

Até ontem, era celebrado como herói absoluto do coxinismo revoltado online. Máscaras com sua face foram vendidas no Carnaval e exibidas com orgulho por milhares de seres que o viram em fotos conduzindo presos da Lava Jato.

Ishii encarnou o personagem que criaram para ele. Como um impostor — um Frank Abagnale Jr. do filme de Spielberg com Leonardo DiCaprio –, desempenhou o papel que lhe foi pedido.

Numa visita à Câmara, boa parte da cambada que votaria pelo impeachment tirou selfies com ele. Jair Bolsonaro chamou inclusive seu filho, Eduardo, para participar da palhaçada.

Lá, foi convidado a se filiar a partidos e concorrer às eleições municipais. Agradecido, falava que “ia pensar”. Parlamentares petistas eram provocados aos gritos de “Olha o japa! Olha o japa!” Sucesso.

Um deputado estadual paranaense, Ney Leprevost (PSD), recebeu-o para um churrasco em família. Postou fotos no Facebook com a legenda: “Olha quem está nos honrando com sua presença no churrasquinho: o agente Newton Ishii, mais conhecido como JAPONÊS DA FEDERAL. Através deste grande brasileiro, parabenizo a Polícia Federal, a Justiça Federal e a Procuradoria da República pelo combate à corrupção realizado através da Operação Lava Jato”.

Ney Leprevost
Ney Leprevost, família e um convidado muito especial

Na festinha, um grupo de mulheres colocou óculos escuros em sua homenagem e registrou o momento para a posteridade.

Ishii viveu como uma celebridade. Distribuiu autógrafos, deu entrevistas, foi convidado para festas. Um Freddie Mercury prateado da direita.

Os movimentos de extrema direita o santificaram. Kim Kataguiri, do MBL, o amava. Num dos ridículos perfis sobre ele, em que seu currículo na ilegalidade era omitido, filosofou sobre a fama: “Ela tem dois lados. Tem o lado bom, do reconhecimento. O lado das crianças e adolescentes é muito legal”, disse.

“Estamos dando um bom exemplo. Dizem que estão rezando, torcendo para que tudo acabe bem. Isso fortalece o trabalho e nos dá força para continuar. Diminuiu a cultura do país de achar que é melhor levar vantagem em tudo.”

Ishii sabia perfeitamente que estava enganando aquele pessoal. Mas há um aspecto fundamental no teatro: eles queriam ser enganados. Eles faziam questão disso, como num espetáculo de mágica vagabundo.

A ficha suja do sujeito estava no Google. Ele fora detido em 2003 na Operação Sucuri. Junto com outros agentes, liberava a passagem de determinados veículos por quantias que variavam entre 30 mil e 40 mil dólares, segundo o portal Paraná-online.

Em 2009, a condenação.

Newton foi um caso de ilusão coletiva? A plateia foi manipulada?

Não. Enquanto deu para atribuir as notícias dos malfeitos de Newton Ishii ao bolivarianismo, ao comunismo e ao boitatá, ele continuou usando e sendo usado.

Quando foi em cana, ficou insustentável. Caído em desgraça, Ishii agora é renegado por todos os oportunistas que se penduraram nele.

Se a vida fosse justa, ele apareceria na jacuzzi dos bolsomitos e perguntaria: “Mas você sabia, pô! Nem pra dar uma ligada?”

Ele vai entregar seus amigos da Paulista na delação premiada? Segundo a Piauí, Newton Ishii agora já pode ser convidado para o ministério do interino.

Uma farsa que outros farsantes fingiram desconhecer. O Japonês da Federal é Bolsonaro por outros meios.

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Artigo originalmente publicado em 8 de junho de 2016, republicado agora em razão da condenação do Japonês da Federal a à perda do cargo público e à multa de R$ 200 mil.