De Wall Street ao Vale do Silício, o que Dilma vai fazer nos Estados Unidos

Atualizado em 26 de junho de 2015 às 9:36
Dilma e Obama em abril
Dilma e Obama em abril

Publicado na BBC Brasil.

 

Quase dois anos depois de cancelar uma viagem aos Estados Unidos após denúncias de que havia sido espionada pelo governo americano, a presidente Dilma Rousseff desembarca neste sábado no país para tentar restaurar a confiança entre as duas nações e buscar estímulos para a convalescente economia brasileira.

Do lado brasileiro, a missão tem sido tratada como a mais importante viagem da presidente em seu segundo mandato. Com popularidade em baixa e enfrentando uma recessão, Dilma priorizará na visita discussões sobre como ampliar os laços econômicos com os Estados Unidos.

Ao discursar evento sobre a visita na quinta-feira em Washington, o embaixador brasileiro nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo, só tratou de um assunto: economia. “Há uma forte confiança nos dois países sobre os benefícios em aumentar o comércio e os investimentos bilaterais”, ele afirmou na sede do CSIS (Center for Strategic and International Issues).

Em entrevista na quinta-feira, Ben Rhodes, assessor do Conselho Nacional de Segurança americano, e Mark Feierstein, diretor sênior da Casa Branca para o Hemisfério Ocidental, disseram que o comércio será um ponto central da visita e que Brasil e Estados Unidos podem dobrar o volume de suas transações em uma década. Hoje as trocas somam cerca de US$ 100 bilhões ao ano.

De Wall Street ao Vale do Silício

A programação da viagem reforça a ênfase econômica. Em Nova York, primeira parada da presidente, ela se reunirá com empresários brasileiros no domingo e, na segunda, tentará convencer investidores americanos a participar dos leilões que o governo prepara na área de infraestrutura.

Na terça, em Washington, ela encerrará um encontro de empresários na Câmara de Comércio americana e, na quarta, se encontrará com executivos do Vale do Silício, na Califórnia.

 

A visita aos Estados Unidos se insere numa ofensiva diplomática da presidente e sinaliza uma guinada da estratégia econômica do governo. No início do mês, ela viajou à Bélgica para tentar acelerar o acordo de livre comércio que a União Europeia e o Mercosul negociam há 15 anos e, em maio, esteve no México, onde deu início a negociações para um amplo acordo comercial com o país.

Dilma diz que a nova postura reflete o fim do “superciclo das commodities” (matérias-primas), cujos altos preços na última década alimentaram o crescimento econômico do Brasil. Segundo ela, com os preços das matérias-primas em baixa, para voltar a crescer o Brasil agora terá cada vez mais de atrair investimentos externos e abrir mercados estrangeiros a produtos industrializados brasileiros.

Esperam-se na visita aos Estados Unidos alguns anúncios pontuais, como a abertura do mercado americano para a carne brasileira in natura, medidas para facilitar o comércio nos setores de cerâmica, máquinas e materiais de construção e ações para reduzir os custos e a burocracia nas transações bilaterais.

Grandes empresas dos dois países pressionam os governos a começar negociações para um acordo de livre comércio, pôr fim à bitributação de produtos vendidos entre os dois países e eliminar a exigência de vistos de turismo e negócios para brasileiros e americanos.

Executivos dos dois países se reuniram em Brasília há dez dias para discutir propostas a serem apresentadas às duas delegações durante a visita. Vice-presidente da Archer Daniels Midland, empresa americana que opera no setor agrícola brasileiro, Shannon Herzfeld diz que o encontro foi “uma explosão de entusiasmo”.

“Ideias surgiam aqui e ali, as pessoas interrompiam umas às outras. Havia um imenso esforço no setor privado dos dois lados em identificar propostas tangíveis”, ela afirmou em evento na quarta-feira no Council of the Americas, em Washington.

 

Os próprios empresários avaliam, porém, que ainda não há condições para grandes avanços nessas áreas, e que primeiro os dois governos precisam intensificar o diálogo.

Por isso muitos analistas que acompanham os preparativos vêm dizendo que o ponto mais importante da visita será pôr fim ao distanciamento que sucedeu o cancelamento da viagem de 2013.

“Se há um único resultado concreto que nós absolutamente deveríamos conseguir na semana que vem, é reconstruir a confiança nos altos níveis dos governos”, disse em evento no Wilson Center Kellie Hock, sócia-gerente da consultoria internacional McLarty Associates.

Após se encontrar com Obama na última Cúpula das Américas em abril, no Panamá, Dilma afirmou que o episódio da espionagem havia sido superado após o americano lhe assegurar que os fatos não se repetiriam.

Agora, segundo Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, cabe à presidente passar ao governo americano “uma mensagem clara” sobre quais são as prioridades do Brasil na relação com a maior potência global.

“A visita é uma oportunidade pata enviar esses sinais, mesmo que a estratégia geral ainda não esteja lá”, ela disse no Wilson Center.

De concreto, é provável que os dois países anunciem um acordo na área climática, em esforço liderado pela Casa Branca. Em novembro, os Estados Unidos fecharam com a China um acordo para a redução voluntária das emissões de carbono.

Obama tem dito que frear as mudanças climáticas é um dos maiores objetivos de seu governo. Ao negociar acordos com outras potências emergentes, ele espera chegar fortalecido à próxima cúpula do clima em Paris (COP-15), em dezembro.

O Brasil, porém, resiste a anunciar metas de redução de emissões agora, o que deve tirar a força de um eventual acordo nessa área.

Cooperação militar

Durante a visita, também deverá haver avanços no diálogo entre os dois países sobre defesa.

Na quinta-feira, o Senado brasileiro aprovou dois acordos com os Estados Unidos que tramitavam há vários anos, liberando os dois documentos para a assinatura dos presidentes durante seu encontro em Washington.

Um dos acertos traça os parâmetros para cooperação bilateral em defesa. O outro trata da proteção de informações militares sigilosas.

Nathan Thompson, pesquisador no Instituto Igarapé, no Rio de Janeiro, diz que os Estados Unidos “veem o Brasil como um parceiro capaz de abordar outros países tanto diplomática como militarmente de uma forma que os Estados Unidos não conseguem, por serem o cara mais forte da turma”.

Thompson tem estudado a crescente presença militar brasileira na África. Hoje o país mantém parcerias em defesa com 21 nações africanas.

Segundo Thompson, embora os movimentos brasileiros no continente gerem “tensão e fricção” nos Estados Unidos, os dois países já cooperam em ações contra a pirataria na costa africana do Atlântico e há margem para mais ações conjuntas.

“O Brasil tem uma pegada mais leve nessa área que pode ser útil aos Estados Unidos”.