“É a história da covardia política que continua até hoje”, diz Aldo Fornazieri sobre crise das esquerdas

Atualizado em 6 de agosto de 2017 às 23:38
Fornazieri no lançamento do livro “A Crise das Esquerdas” em Porto Alegre

Publicado no Sul21.

POR FERNANDA CANOFRE

“O que houve com a esquerda no Brasil e no mundo cem anos depois da Revolução Russa? Qual a origem da sua crise? A democracia foi capturada por um sistema único? Esgotou-se o pacto de conciliação? Teremos um destino comum? E a tensão entre igualdade e liberdade? Qual o espaço da ética no mundo político? E da utopia?”.

Essas são algumas das questões que norteiam o livro A crise das esquerdas, organizado pelo cientista político Aldo Fornazieri e pelo sociólogo e psicanalista Carlos Muanis. A obra, que traz entrevistas e artigos sobre o papel da esquerda no cenário político atual, teve o lançamento em Porto Alegre realizado neste sábado (05), com participação do público.

O livro reúne conversas com nomes que vão desde o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, passando pelo ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro (PT) e pelo atual diretor-executivo do Instituto Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Fausto.

A ideia do projeto é centrar a discussão nos erros realizados até aqui pela esquerda brasileira, depois de 13 anos de governos do Partido dos Trabalhadores, e na América Latina. Marina Silva, líder e fundadora da Rede Sustentabilidade, que começou a carreira no PT e foi ministra de Lula, chegou a ser convidada para participar, mas declinou do convite.

Aldo Fornazieri conta que o livro nasceu de discussões em um simpósio da Escola de Sociologia e Política, do Instituto Novos Paradigmas (INP), já com a ideia de levantar questões, sem se prender a conclusões. “Nós percebemos que o debate na esquerda estava bloqueado. A esquerda parou de pensar. A ideia da crítica e auto-crítica, que era muito cara à esquerda do final do século XIX e do século XX, desapareceu. Aquele que faz a crítica hoje é bastante estigmatizado”, afirmou ele. Fornazieri disse que ele mesmo é alvo desse estigma.

E ele não poupou críticas o PT. Para Fornazieri, a postura assumida pelo partido antes e depois de consumado do impeachment de Dilma Rousseff é “covarde”. “É a história da covardia política que continua até hoje. Porque no fundo, o PT não quer a saída do Temer do governo”, disse ele.

O analista político destaca que a esquerda atual perdeu a dimensão da tragédia. Ela alimenta um discurso otimista, quando na verdade, deveria estar voltada ao discurso republicano que salienta problemas. Um exemplo disso seria a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, no ano que vem, como uma espécie de “bala de prata”.

“Menos Marx e mais Maquiavel é a palavra de ordem que estamos lançando agora”, ironizou Fornazieri. “A esquerda deveria resgatar retórica jeremia, que dê mais ênfase à advertência do que à promessa. Se quiser construir alguma coisa com mais seriedade, temos que dar mais ênfase a advertência. A palavra ‘jeremia’ vem de Jeremias, que avisou os hebreus. [Temos que avisar] de que nossos erros e falhas vão manter a dominação e vão ser a destruição do mundo. Nos subordinamos, dizendo que só se enfrentarmos esses desafios é que conseguiremos chegar a uma terra prometida”.

Na análise de Fornazieri, o problema das esquerdas também está numa retórica que se transformou em “despotencializadora” a partir do momento em que não se atualizou. Por isso, há hoje tantos jovens interessados em política – fazer e discutir – mas cada vez menos deles quer fazer parte de um partido. O fato de que o Brasil não possui o que ele chama de “terror fundante” em sua História – um momento de ruptura, onde “rolem cabeças” e se crie algo verdadeiramente novo, contribui para isso.

A independência do Brasil foi proclamada pela própria Coroa portuguesa e não por seu povo; a República veio com um Marechal imperialista em cima de uma cavalo. E o governo Lula teria sido último momento de “bestialização da política”, na sua visão, por unir trabalhadores e um projeto que se queria de esquerda a tipos como Paulo Maluf (PP).

Citando Francis Fukuyama com sua teoria – já refutada por ele mesmo – de como chegamos ao fim da História, Fornazieri defendeu que chegamos ao fim da luta sistêmica. O sistema único do capitalismo já comporta todo o resto dentro de seu contexto. Mesmo as lutas que a esquerda trava hoje, são todas dentro do sistema capitalista. E ele aprendeu a fazer da esquerda e suas demandas por uma visão social o que sustenta a aparência de pluralidade.

“A esquerda não coloca mais a questão da luta pelo poder no campo sistêmico. Tanto pensador de direita, quanto de esquerda concordam com essa tese. Existem lutas plurais dentro de um único sistema, o que estabelece uma crise de pressuposto. Um pressuposto que não funciona mais é o da luta de classes. A classe é constitutiva de uma alternativa? Digo que não”, explica ele.

Fornazieri lembra que nem o próprio Karl Marx chegou a definir claramente o que entendia por “classe”. Em alguns momentos de O Capital, ele trata como categoria analítica, em outros como elemento empírico no sistema de produção, e por fim como sujeito político.

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