E então uma canção me faz pensar na força descomunal da amizade. Por Fabio Hernandez

Atualizado em 15 de abril de 2017 às 12:37

O amigo não compete conosco. O amigo ganha em nossas vitórias e perde em nossas derrotas.

Um cínico inspirado certa vez disse que não há amigo que secretamente não se alegre quando algo de ruim nos acontece. Reconheço aí uma frase inventiva e de efeito, mas nada além disso. O amigo é a negação da sentença do cínico inspirado. Sem amizade a vida seria simplesmente insuportável.

Deus deveria ser proibido de nos tirá-los. Os nossos amigos deveriam estar protegidos de todos os males. Deveriam viver felizes para sempre. Ouso dizer que não deveriam sequer envelhecer. Um amigo perdido é uma dor que lateja eternamente.

MEMÓRIAS DE UMA VELHA AMIZADE

Penso agora no Marcão. Não tinha nem vinte. Inteligente, sensível, meigo. Ruivo e cheio de sardas. Tinha sido namorado da Laura, uma morena esplêndida. Marcão. Sabia enrolar fumo com grande categoria.

Um dia avisaram: ele apontou um revólver para a cabeça e disparou. (E então me ocorre uma outra canção do Lennon, já da fase adulta. “Hapiness is A Warm Gun”. Felicidade é uma arma quente.)

Para o Marcão, não sei se a arma quente foi a felicidade. Foi a retirada, com certeza. E ele não tinha nem vinte.

Durante muito tempos nós, os amigos, nos perguntamos tolamente por quê. Ainda hoje, anos depois, de vez em quando falamos dele.

Marcão. Sua memória esgarçada nos traz sorrisos tristes e questões antigas para as quais não haverá jamais resposta. Marcão de alguma forma viveu nos amigos que o amaram, entre os quais um certo escritor barato. Por nossos olhos cansados e envelhecidos ele pode ver a miserável beleza de cada passo da longa caminhada sobre essa terra.