É injusto dizer que Roberto Carlos se vendeu para a Friboi porque ele sempre esteve à venda

Atualizado em 10 de novembro de 2014 às 15:38
roberto caros
Quer pagar quanto?

 

Roberto Carlos é o novo garoto-propaganda da Friboi. Depois de mais de 30 anos se dizendo vegetariano, ele mudou de ideia. Para não parecer que foi movido pelo cachê, a história oficial é que já havia alterado seus hábitos alimentares antes disso.

Em sua página oficial no Facebook, os administradores tiveram de lidar com a reação negativa de parte de seus fãs. Houve quem o xingasse de traidor e mentiroso. Uma lista de regras de conduta teve de ser postada.

No início do mês, Bob Dylan também foi criticado por fazer a narração de um anúncio de carro no Superbowl. Aquela propaganda não foi a primeira de Dylan (ele chegou a vender ligeries da Victoria’s Secret) e não será a última. Ainda assim, Dylan está tendo de explicar até agora o que fez com seu passado na contracultura.

O caso de Roberto é diferente. Ele sempre foi vendido. Não há nada que o faça sair de casa que não seja faturar. Isso inclui passar a comer picanha ou participar de uma farsa como a entrevista em que afirmou que estaria disposto a rever sua postura com relação a biografias não autorizadas.

Ninguém tem o direito de se surpreender com as causas que RC defende em troca de grana. Ele falava das baleias quando o mundo falava das baleias. Fez uma canção sobre isso porque renderia alguns trocados, como rendeu. Roberto é tão preocupado com a ecologia quanto, digamos, Paulo Maluf. Não  gosta nem de chuva: não moveu uma palha quando seus conterrâneos foram desabrigados por causa de alagamentos no Espírito Santo.

Existe ainda pureza na arte? Há dois anos, a cantora Adele disse que não queria seu nome “perto de qualquer marca. Não desejo ser maculada ou assombrada e não pretendo me vender. Acho isso vergonhoso”.

Nos anos 90, o comediante Bill Hicks se referiu de maneira pouco gentil a artistas que licenciavam suas músicas. “Vocês viraram prostitutas do bangue bangue capitalista… Tudo o que vocês disserem será suspeito e cada palavra que sair da sua boca será como bosta caindo no meu drinque”.

Esses dias acabaram. Corporações patrocinam grandes festivais e turnês. Com o desaparecimento do CD e a ascensão da pirataria, isso virou uma saída para gravadoras e músicos. Lá fora, além de Dylan, ícones como Iggy Pop, Led Zeppelin (Cadillac) e mais uma dezena de nomes viraram carne de vaca para os anunciantes. Basta pagar.

É raro alguém se recusar a entrar nessa liquidação. A banda Super Furry Animals abriu mão de mais de US$ 1 milhão da Coca-Cola por causa da forma como a empresa tratou trabalhadores sul-americanos num episódio mal-explicado. Win Butler, do Arcade Fire, nunca dá autorização para comerciais: “Eu não quero que as pessoas pensem num Toyota quando ouvem [a faixa] ‘Keep The Car Running’. É triste quando você escuta uma música e ela faz você pensar num produto. Mas nós tivemos sorte. Podemos tomar essas decisões baseados em razões artísticas e não financeiras. Você tem de fazer o que você tem de fazer”.

Faz diferença um artista entregar sua imagem e sua obra para uma empresa de carnes, de cerveja ou de títulos de capitalização? Sim, mas depende da história dele. Em se tratando de Roberto Carlos, é absolutamente coerente com alguém cuja missão tem sido se vender desde os anos 60. Ele está, agora, esperando a proposta de algum laboratório para dizer que se curou do TOC. Até lá, continuará doente.