É vergonhoso descobrir que um banco da importância do BNDES era utilizado até para encobrir adultério de um presidente. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 24 de fevereiro de 2016 às 10:07
Fotomontagem une o casal FHC-Mírian
Fotomontagem une o casal FHC-Mírian

Muito mais do que traçar o perfil pessoal de um homem que se julgou no direito de comprar o silêncio de sua ex-amante e decretar o seu “exílio” fora do país, as denúncias de Mirian Dutra trouxeram à luz do conhecimento as entranhas da política realizada na era FHC.

Mirian, de uma só vez, denunciou a velha tabelinha entre Fernando Henrique e a família Marinho, o tráfico de influência, via BNDES, para o empresariado amigo, o uso de um contrato de fachada para envio de recursos para o exterior e a condescendência generalizada da mídia brasileira com tudo isso.

É impressionante como esse único caso acabou envolvendo tanto e de tantas maneiras diferentes a estrutura do poder à época. Tudo apenas para que uma gravidez indesejada não atrapalhasse um projeto de poder.

A cadeia de eventos que se seguiu após a transferência de Mirian para fora do país a mando de seus patrões revela a rede de cooperações e recompensas dos envolvidos. Primeiro temos que lembrar que a empresa que “contratou” Mirian era justamente uma concessionária das lojas Duty Free nos aeroportos brasileiros.

Já a série de financiamentos concedidos pelo BNDES ao Grupo Globo no decorrer de 1997 a 2002 e negado pela mesma instituição a outros canais de televisão (como comprova o relatório do Tribunal de Contas da União TC 005.877/2002-9 aberto para investigar favorecimento à emissora), expõe o tipo de “meritocracia” que Roberto Marinho sempre utilizou.

O que já era condenável do ponto de vista da seletividade com a qual as empresas nacionais poderiam ou não fazer uso dos recursos públicos via BNDES acabou por tornar claro o nível dos interesses particulares aos quais centenas de milhões de reais poderiam estar subjugados.

É simplesmente vergonhoso descobrir que um banco da importância para o desenvolvimento do país como o BNDES era utilizado até para resolver problemas extra-conjugais de um presidente da república ao custo de empréstimos que, somados, ultrapassaram a cifra de meio bilhão de reais – em dinheiro da época — a juros paternos. Sem qualquer trocadilho aqui.

Para termos uma idéia do que representava uma empresa conseguir um financiamento junto ao BNDES nos difíceis anos da era FHC, basta saber que em 2002, último ano de seu mandato, o banco registrou um desembolso na casa dos 37 bilhões de reais. Em comparação, no ano de 2015 o mesmo BNDES registrou um desembolso de R$ 136 bilhões.

Mesmo considerando a inflação, é um aumento extremamente significativo. Não só dos valores nominais mas da quantidade de empresas brasileiras beneficiadas. Ou seja, o único fator que salvou a Globo da insolvência para a qual caminhava a passos largos foi tão somente a interdependência crônica que os dois grandes atores dessa trama sempre necessitaram para sobreviver. Recursos públicos por parte de um e uma mídia camarada e benevolente por parte do outro.

Na entrevista que FHC concedeu à Folha para esclarecer todos os questionamentos que envolvem o seu nome, simplesmente limitou-se a dizer que são “invenções”, “não existem fatos” e que se trata de “assuntos menores” de cunho meramente “pessoais”.

Como não se aprofundou sobre nenhuma das acusações que lhe dizem respeito, ainda sobrou espaço para afirmar que todas as denúncias contra o PT devem ser, estas sim, amplamente investigadas.

Interessante.