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Delação de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, trava após ele inocentar Lula

Do Tijolaço de Fernando Brito:

 

Tempos atrás, quando o Direito era uma ciência serena, dizia-se que ele, antes de tudo, era bom-senso.

Depois, mudaram essa formulação simples para algo mais sofisticado: o tal “princípio da razoabilidade, que o ainda não ministro Luís Roberto Barroso definia como ” que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar”.

Aplique isso ao que você lê hoje na Folha: Delação de sócio da OAS trava após ele inocentar Lula.

Então é assim que funciona uma delação premiada?

“Quero ele, o nine, senão vai ficar na cadeia”!

Como fica, então, aquela frase pomposa, nauseante e hipocritamente repetida: “nós investigamos fatos, não pessoas”?

Mas a coisa é ainda pior. Veja a abertura do texto do dos repórteres Mário Cesar Carvalho e Bela Megale:

As negociações do acordo de delação de Léo Pinheiro, ex-presidente e sócio da OAS condenado a 16 anos de prisão, travaram por causa do modo como o empreiteiro narrou dois episódios envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A freada ocorre no momento em que OAS e Odebrecht disputam uma corrida para selar o acordo de delação.
Segundo Pinheiro, as obras que a OAS fez no apartamento tríplex do Guarujá (SP) e no sítio de Atibaia (SP) foram uma forma de a empresa agradar a Lula, e não contrapartidas a algum benefício que o grupo tenha recebido.
A versão é considerada pouco crível por procuradores. Na visão dos investigadores, Pinheiro busca preservar Lula com a sua narrativa.
O empresário começou a negociar um acordo de delação em março e, três meses depois, não há perspectivas de que o trato seja fechado.
Pinheiro narrou que Lula não teve qualquer papel na reforma do apartamento e nas obras do sítio, segundo a Folha apurou. A reforma do sítio, de acordo com o empresário, foi solicitada em 2010, no último ano do governo Lula, por Paulo Okamotto, que preside o Instituto Lula. Okamotto confirmou à PF que foi ele quem pediu as obras no sítio.
Já a reforma no tríplex do Guarujá, pela versão de Pinheiro, foi uma iniciativa da OAS para agradar ao ex-presidente. A empresa gastou cerca de R$ 1 milhão na reforma do apartamento, mas a família de Lula não se interessou pelo imóvel, afirmou ele a seus advogados que negociam a delação, em versão igual à apresentada por Lula.

Duas questões saltam daí.

A primeira, evidente a qualquer estagiário de direito, é que – fora do exercício do cargo público – ser objeto de “agrados” de uma pessoa ou empresa é questão de ordem exclusivamente moral, não penal. Se Lula, sabendo, deveria repeli-las é uma questão que pode comportar julgamentos pessoais, não julgamentos criminais, pela simples razão de que não há crime.

A segunda, muito mais grave, é que se “OAS e Odebrecht disputam uma corrida para selar o acordo de delação”, não se está à procura da verdade, mas diante de um “quem dá mais” de acusações, em busca de vantagens pessoais – libertação, redução de pena ou sua simples não-aplicação – ou empresariais. As quais, claro, podem ser medidas em dinheiro e, portanto, dinheiro são.

Como disse, no tempo que que o Direito era uma ciência serena e não um instrumento da política, essas seriam situações que embrulhariam o estômago de qualquer jurista. Agora, porém, tratam-se de um delito imperdoável: “ser contra a Lava Jato”.

Pior: em nome disso – e de seu medo-pânico do que venha mais sobre seus integrantes – o Governo temer está entregando à Polícia o direito de concluir, sozinha, acordos de delação premiada, independente do Ministério Público.