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Haddad: “A mim causa repulsa viver num país tão desigual”

Da Rede TV

O Mariana Godoy Entrevista desta sexta-feira (20) recebeu o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT/SP), mais um possível candidato à presidência da República. Nesta entrevista da série que o programa realiza com os presidenciáveis, Haddad garantiu que o PT não tem plano b e se mostrou confiante na candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele apontou os principais desafios do próximo presidente da República e enfatizou a economia e a educação como áreas prioritárias no país. 

Questionado se já se acostumou à ideia de ser o ‘plano b’ do Partido dos Trabalhadores (PT) para concorrer à presidência da República caso Luiz Inácio Lula da Silva fique inelegível, Fernando Haddad foi cauteloso: “Vou responder essa pergunta delicada com muita sinceridade. O PT está 100% convicto de que o presidente Lula concorre em 2018.” Ele continuou: “O PT está 100% convicto do ponto de vista político, porque lidera todas as pesquisas, mas também do ponto de vista jurídico”.

Haddad mostrou segurança com a possível candidatura de Lula, mesmo com uma ação a ser julgada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4): “A legislação admite vários recursos para além dessa condenação em segunda instância. E também, Mariana, eu quero te dizer o seguinte, não sei se chegou ao seu conhecimento um livro de 122 juristas, dentre os quais professores de ilibada reputação que dão aulas em universidades, nas melhores faculdades de direito do país. Escreveram um livro alentado sobre a sentença e dizendo por que é que tecnicamente ela deve ser reformada em alguma instância, ou pelo TRF-4 ou, talvez, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de maneira que o partido, o presidente e os seus advogados estão muito seguros dos argumentos que levaram à consideração do Judiciário”.

O ex-prefeito de São Paulo explicou por que recebeu a recomendação do ex-presidente Lula para viajar pelo país. “Eu fui ministro da Educação durante quase sete anos. É raro um ministro da Educação ter ficado tanto tempo no cargo e eu fiquei numa situação em que o Brasil estava vivendo um momento excepcional na área da educação, com a expansão das universidades, com a expansão das escolas técnicas, com bolsas de estudo do Programa Universidade Para Todos (Prouni), com financiamento estudantil pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), com construção de creches. Então, o presidente Lula entende que o trabalho do ministério da Educação no meu período teve uma capilaridade muito grande e ele entende que a educação é um eixo de disputa no ano que vem prioritário, nós temos que retomar a agenda da educação sem o quê, na visão dele, e na minha também, dificilmente o país sairá da crise, porque você tem que dialogar com o futuro, tem que dialogar com a juventude, tem que recuperar a esperança. Então, a educação para nós, vai voltar ao centro das atenções, se depender do presidente Lula”.

Haddad disse que não tem viajado o país como futuro ministro da Educação caso Lula volte ao Planalto: “Estou como ex-ministro da Educação, que está sendo convidado por quase todas as universidades do país para fazer palestras para explicar o que foi aquele momento e as dificuldades que o governo Temer está impondo às universidades e institutos federais nesse momento.” Questionado se as dificuldades vão além das financeiras, o petista observou: “A financeira é a mais grave, porque tem havido cortes importantes, a expansão do ensino médio federal foi suspensa, fala-se muito em reforma do ensino médio e isso não vai acontecer sem o apoio ao ensino médio federal, que é o melhor do país em termos de qualidade, então, tem toda uma agenda para ser concluída na educação, que foi iniciada no período do Lula e que ele quer retomar. Então, essa reconexão com a inteligência do país, que está instalada nas universidades, nos institutos, é fundamental para a superação da crise. Esse foi o objetivo dele quando me pediu que visitasse os estados”.

Como ex-ministro da Educação, Haddad falou sobre o que é possível fazer para que o ensino básico deixe de lado a precariedade no país: “Em primeiro lugar, temos que continuar apoiando a educação infantil. Nós triplicamos a matrícula em educação infantil no país, sobretudo na creche, não havia atendimento de creche no Brasil. Hoje é uma realidade. Em São Paulo, quando fui prefeito, nós abrimos mais de cem mil vagas de educação infantil em quatro anos. Então, como isso foi possível? Foi criado no governo Lula o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que é um fundo que financia da creche até o ensino médio todas as matrículas. Em segundo lugar, a curva do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) começou a crescer. No período anterior ao Lula, o Ideb caía. (…) Em terceiro lugar, a educação profissional e a educação superior tiveram uma expansão inédita no Brasil. Quais são os gargalos da educação hoje? Ensino médio, que ainda está bastante descuidado, que é de responsabilidade dos governadores, portanto nós temos que convidar os governos de estado a assumirem uma responsabilidade maior pelo ensino médio, as escolas estaduais, e, do ponto de vista do magistério, nós criamos o Piso Nacional do Magistério. Foi importante, foi durante a minha gestão, mas é insuficiente para a valorização da carreira. Ainda atrai poucos talentos a carreira do magistério. Eu diria que são duas questões que estão na ordem do dia e que precisam ser enfrentadas”.

Ao ser perguntado se teria uma estratégia para melhorar a capacitação dos professores, Haddad esclareceu: “Nós tínhamos uma ideia que foi abandonada. Estava sendo gestada em 2010, 2011 e depois não prosperou, que era criar um concurso nacional para ingresso na carreira docente, como se nós fizéssemos uma prova nacional para o ingresso na carreira docente, não fizéssemos uma prova local. Com isso, nós constituiríamos um banco de professores, aos quais seria atribuída uma nota, de acordo com a prova, e que prefeitos e governadores poderiam contratar a partir dessa classificação professores para a sua rede. No nosso entendimento, isso seria um caminho de valorização da carreira, porque os melhores  professores iam ser disputados por prefeitos e governadores, que teriam que remunerar melhor para atrair os mais bem colocados do concurso nacional. Então, a nossa ideia era criar um concurso nacional. Voltei a falar com o presidente Lula sobre essa ideia e, provavelmente, ele incluirá no programa de governo dele a agenda de transformar isso em realidade”.

Haddad foi questionado se cogitaria sair do PT para poder ‘dialogar melhor com outras bases da política paulistana’ e respondeu de forma direta: “Eu estou filiado ao PT há 32 anos e acredito que o Brasil precisa de um partido trabalhista, de um partido com as característica do PT no que diz respeito à sua agenda, uma agenda radical de combate à desigualdade. O Brasil tem um problema crônico que é o pior problema, que compromete todo o nosso desenvolvimento, que é a desigualdade. E surgiu um partido nos anos 80, que está vivendo um momento difícil, mas que ao longo da sua história foi o que mais representou avanços nessa pauta que eu considero prioritária, como cidadão. Eu sou uma pessoa de classe média, eu poderia ter outra filosofia de vida, mas eu tenho essa filosofia. Eu vivo num país muito desigual e a mim causa repulsa viver num país tão desigual”.

Ao ser confrontado com a informação de que o PT não é o único partido com uma agenda de redução da desigualdade, Haddad concordou, mas fez uma distinção entre seu partido e os outros: “É evidente que não, mas foi o partido que mais fez em proveito do combate da igualdade de oportunidades. Está vivendo um momento difícil? Está vivendo um momento difícil. Num país com poucas instituições, com uma institucionalidade muito baixa, você pode trocar de partido como quem troca de roupa, ou você pode cogitar a hipótese, até pelo meu histórico, de reconstruir se tiver que reconstruir, de requalificar se tiver que requalificar e eu te digo isso com muita sinceridade, eu não tenho dificuldade de conversar com nenhum segmento da sociedade por ser do PT. Eu converso com empresário, eu converso com cientista, eu converso com artista, eu converso com estudante, eu ando pela cidade em todos os ambientes, de ricos, de pobres, e eu não tenho dificuldade de discutir com as pessoas uma agenda para o país”.

O ex-prefeito da capital paulista comparou o PT a outros partidos quando comentou o envolvimento de alguns nomes da legenda com a corrupção: “O PSDB está com problemas. Essa semana tivemos um problema grave com o PSDB. Será que os fundadores do PSDB vão procurar sanear ou vão sair do PSDB? O mesmo vale para o PT, o mesmo vale para o PMDB. Os partidos, hoje, têm membros que estão com problemas, só que são os partidos que nós temos e estão vivendo essa crise em função do fato de que nós construímos um sistema partidário que era inconsistente em função do financiamento empresarial, em função das coligações proporcionais, uma série de regras que colocaram o sistema em xeque, só que todos nós, cidadãos, vamos ter que reconstruir um sistema partidário, não tem como nós escaparmos disso”.

Diante da possibilidade de um ‘outsider’, uma pessoa de fora da política, assumir o Planalto a partir das eleições de 2018, como Jair Bolsonaro que, apesar de legislador, nunca teve uma experiência no Poder Executivo, Luciano Huck ou Joaquim Barbosa, Haddad disse o que pensa sobre o assunto:   “Eu entendo o sentimento, mas acredito que o brasileiro não fará isso.” Ele prosseguiu: “A minha opinião sobre o brasileiro é que na ‘hora h’ ele vai tentar compatibilizar experiência, quilômetro rodado, portanto, com honestidade, com caráter, com valores e eu penso que ele vai tentar encontrar no sistema político pessoas que representem essa agenda. O risco de alguém de fora, sem experiência, num momento de crise é absoluto. Você pode até se sentir familiarizado com alguma pessoa, simpatizar com alguma pessoa, mas o risco de você eleger um presidente num momento de crise aguda sem nenhuma experiência é a mesma coisa que escalar o Luciano Huck ou o Bolsonaro para entrar nos 7 a 1 contra a Alemanha, vai virar 12 a 1. Nós estamos num momento de crise, não adianta buscar gente inexperiente para resolver os problemas dramáticos que nós estamos vivendo, tem que ser gente que entende do riscado, que tem quilômetro rodado, que tem bagagem para resolver. Os problemas que nós temos para enfrentar não são simples e se a gente abrir mão de bagagem, se a gente abrir mão de estofo nessa hora, nós vamos estar assumindo um risco desnecessário”.

Fernando Haddad apontou para onde, sob seu ponto de vista, o próximo presidente da República deve direcionar sua prioridade:  “Para a economia, claramente, porque nós precisamos gerar oportunidades de trabalho para as pessoas, o desemprego é um mal horrível e a gente tem que combater isso de todas as formas, porque as famílias dependem disso para viver. Então, a economia tem que entrar no eixo, nós não podemos crescer 0, não podemos crescer 1% ao ano e para isso há fórmulas consagradas, por exemplo, investimento público em infraestrutura, em construção civil, precisa ser retomado.”

Ao ser confrontado com os problemas de corrupção envolvendo as construtoras, Haddad considerou: “Tem obras que estão 80% prontas, tem escola técnica que está 80% pronta a obra e você não gasta 20% para abrir. Como é que você vai deixar de investir em educação? Como é que você vai deixar de matricular pessoas em universidades? A juventude quer continuar entrando na universidade. Nós tínhamos três milhões de universitários no começo da década passada, nós estamos com oito milhões de universitários, isso é uma mudança de qualidade, você está formando massa crítica no país. Você não vai gerar emprego? Imaginar que só o empresário vai gerar emprego sem uma combinação de investimento público-privado é uma loucura. Nenhum país do mundo abdica do investimento, nós temos que voltar a investir, temos que criar um ambiente de negócio, recuperar a confiança do investidor privado, está todo mundo recolhido, todo mundo esperando acontecer alguma coisa. (…) Quando nós lançamos o Prouni, sem dinheiro, foi uma troca de impostos por bolsas de estudo, oferecemos mais de dois milhões de bolsas de estudo para os prounistas, gente que não estaria na universidade. Será que não podemos fazer parcerias desse tipo com a iniciativa privada? Será que só tem empresário corrupto no país? Não tem um empresariado que possa fazer parceria com o Estado”?