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Jovens brasileiros podem cair no “limbo irreversível”, aponta economista

 

O alerta é do economista Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco.

Formado em economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde também lecionou, Henriques tem vasta experiência na gestão pública: ex-pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), coordenou a criação do programa Bolsa Família, em 2003, como secretário Executivo do Ministério de Assistência e Promoção Social, e desenvolveu o programa UPP Social, em 2010, como secretário no Rio de Janeiro.

Valor: Que retrocesso social da crise preocupa mais?

Ricardo Henriques: O fato mais importante hoje, do ponto de vista econômico, é estar fechando o horizonte de empregabilidade da juventude. Todos os indicadores do último ciclo mostram uma queda da renda média, mas muito centrada no jovem. No momento em que eles estão entrando no mercado de trabalho, a taxa de desemprego entre eles é maior. Isso alerta para a quase inexistência de políticas para a juventude. Não se antecipou, para uma sociedade com o padrão de desigualdade que a nossa tem, uma política minimamente articulada para a juventude. Isso só existe no campo declaratório, há vários documentos, como o estatuto da juventude, por exemplo.

Quando nós avaliamos as políticas para jovens na cidade do Rio de Janeiro, no início dos anos 2000, havia 40 a 50 programas de jovens, somando as esferas municipal, estadual e federal. Mas não havia uma política para a juventude. Isso é fruto de duas coisas: a falta de políticas consistentes, e a falta de uma visão integrada das políticas. E aí quando você olha tem a agenda da assistência social fazendo coisas parecidas com o que a educação está fazendo, e com o que a secretaria de trabalho está fazendo. E com uma intenção que faz sentido, mas não está baseada em evidências. Acaba-se criando uma quantidade relevante de intervenções, com autorias distintas, não coordenadas, e se perde o foco em sujeitos concretos em territórios concretos. E vários jovens que não são atendidos por nenhuma delas. Não construímos um colchão de amortecimento com educação nem capacitando esses jovens. E quando vem a crise esse colchão rasga rapidamente e eles não têm inserção nem no mercado de trabalho nem outras redes de acolhimento. No máximo, ficam nas famílias.

Valor: Políticas para jovens deveriam ser estratégia para o país?

Henriques: Concordo. E acho que o desafio macro é para além de jovens. Precisamos elevar a política social para o mesmo status da política econômica. Geramos um efeito perverso gigantesco no Brasil, que reflete o padrão de desigualdade estrutural. Ao hierarquizar uma agenda em que a política econômica tem precedência sobre a política social, você criou um enorme conjunto de dificuldades e vulnerabilidades para avançar nesse processo. A política social não pode ser um braço da econômica.

Valor: Dá para resolver o problema econômico sem atacar o social?

Henriques: De jeito nenhum. Mas a sociedade não antecipou isso, e, mesmo pós-Constituinte, os avanços que tivemos foram sempre no sentido de manter a política social como auxiliar da política econômica. A grande mudança de fundo que se precisa é como trazer para o centro da cena política a política social. Que país a gente quer? Que país estamos projetando? Se for um país de futuro, sobretudo nesse momento de aceleração da sociedade do conhecimento, só será possível se colocarmos o social equivalente ao econômico. A fronteira de conhecimento da sociedade está avançando e estamos aquém dessa velocidade, e ainda com tamanha desigualdade, que faz com que a fiquemos em uma situação de limbo. Nós já perdemos o bônus demográfico, temos um padrão de desigualdade gigantesco, o mundo está avançando em velocidade alta. A projeção para a juventude em 2030, 2050 pode ser uma posição de limbo.

Valor: Como isso se pareceria?

Ricardo Henriques: Uma situação de mais limbo, mas limbo estrutural, talvez não reversível. Uma juventude fadada a estar no setor informal o tempo todo, salário baixo, sem capacidade de se inserir no mundo do trabalho futuro. Sabemos que o mundo do trabalho está em uma velocidade de se reprogramar muito alta e precisaremos de adultos capazes de se adaptar às múltiplas configurações que teremos nessa sociedade. Não estou comparando a gente com Finlândia, estou comparando a gente com a gente mesmo.

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Valor: Um grupo grande da população nunca esteve na agenda?

Henriques: Isso. É uma sociedade que aprendeu a viver com 30% da população a puxando. Nos anos 70 já havia várias experiências mundiais, como a alfabetização da Hungria, e processos massificados de educação de populações rurais que viraram urbanas. O mundo sabia fazer. A sociedade hierarquiza a política econômica e torna a política social um investimento de segunda linha. A um ponto que, quando está se falando em gestores de política social, parece uma coisa fácil. Para a economia precisa de técnica, mas para política social só precisa da motivação, do engajamento. Mas é preciso técnica, de ciência, muito estudo, evidência empírica.

(…)