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Marco Aurélio: o risco de os militares voltarem caso o golpe triunfe

Do jornal do comércio:

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, em seu gabinete na sede da corte em Brasília, atende o telefone celular e responde sobre seu ânimo: “Eu vou muito bem, mas o Brasil, nem tanto”. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio, Mello mostra séria preocupação com os rumos do País, principalmente se vingar o afastamento da presidente Dilma Rousseff. E adverte para que não se venda à sociedade a imagem de que teremos “o conserto do Brasil no dia seguinte ao afastamento da presidente.”

Aos 69 anos, o ministro, que afirma que nem pensa em se aposentar, define que o STF vive seu momento mais agudo desde 1988. O magistrado reforça que a corte precisa focar o mundo técnico e jurídico (ao apreciar as razões do impeachment), mas reage ao desembarque do PMDB. “Não entra na minha cabeça que o partido que formou a chapa e tenha o vice-presidente simplesmente rompa com o governo. Não segue a ordem natural das coisas.” E vislumbra: “O movimento que está no contexto é o de substituição, sem dúvida nenhuma, da presidente da República”.

Jornal do Comércio – A presidente diz que impeachment sem fato ou crime de responsabilidade é golpe. O que o senhor acha disso?

Marco Aurélio Mello – Não analisamos no Judiciário o fato ou conotação política do processo, mas o aspecto jurídico, constitucional e legal, que envolve a existência de um fato jurídico que consubstancie crime de responsabilidade. Isso evidentemente pode chegar ao Judiciário, que é a última trincheira da cidadania. Temos de aguardar os desdobramentos e que todos tenham juízo e que haja um apego maior à ética.

JC – É o momento mais difícil do STF?

Mello – Desde a Constituição de 1988, sem dúvida nenhuma.

JC – Como o senhor qualifica estes tempos em que vivemos?

Mello – O Brasil está numa encruzilhada. Precisaríamos definir o rumo a tomar, a partir de fatos que precisam ser apurados, e sabendo de início que não estaremos com dias melhores após o afastamento da presidente da República. O que cumpre à Câmara dos Deputados é verificar se as causas de impedir representam crimes de responsabilidade e se estão provados os fatos. Agora precisamos aguardar, esperar. Me preocupa muito o dia seguinte, ou seja, o fato de a situação atual ser adversa daquela de 1992.

JC – No que é adversa?

Mello – No impedimento do presidente Fernando Collor de Mello não tínhamos os segmentos como hoje. A presidente, considerando o PT, tem. Lá havia um consenso, que se formou e escaneou o impeachment. Hoje em dia, não. O panorama que está no horizonte sinaliza conflitos futuros, e evidentemente o PT estará na oposição.

JC – O que pode acontecer?

Mello – Os segmentos antagônicos se defrontarem na rua, e aí teremos de ver se as nossas forças repressivas, representadas pelas polícias militares, são suficientes para controlar a situação. Se não forem, o último recurso estará na intervenção das forças armadas. Isso nós não queremos, não pretendemos…

JC – O senhor vê esse risco?

Mello – Não tenho a menor dúvida de que não temos ou que falta a compreensão dos interesses nacionais. Não há governança por falta de diálogo. Ou seja, a voz da presidente da República não ressoa no Congresso de forma positiva. Isso é muito ruim, porque os poderes são harmônicos e independentes, mas devem atuar em conjunto.

JC – Isso revela as fraquezas da democracia brasileira?

Mello – O modelo republicano, vencedor no plebiscito de 1993, funciona em outros países, mas precisa haver uma compenetração para se ter presente o coletivo de quem ocupa cargos públicos. Não dá para simplesmente potencializar o interesse individual ou o interesse simplesmente partidário e romper com o Poder Executivo, como o Legislativo acabou rompendo.

JC – O senhor se refere ao PMDB?

Mello – Falo dos partidos em geral, mas não entra na minha cabeça que o partido que formou a chapa e tenha o vice-presidente simplesmente rompa com o governo. Isso é para mim é impensável. Não segue a ordem natural das coisas.

(…)