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Para defesa de Odebrecht, Lava Jato é “reality show” e Moro faz “ouvidos de mercador”

Do Jota:

 

Leia peça em que a defesa do empresário Marcelo Odebrecht se pronuncia sobre o conteúdo do celular dele, obtido pelos agentes da Operação Lava Jato:

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 13ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ

Pedido de Busca e Apreensão Criminal no 5024251-72.2015.4.04.7000

MARCELO BAHIA ODEBRECHT, nos autos do Pedido de Busca e Apreensão em epígrafe, vem, por seus advogados, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, em atenção ao r. despacho lançado no Evento 437, expor o quanto segue:

Desde a prisão do peticionário, há mais de um mês, teve início a caça a alguma centelha de prova que pudesse, enfim, legitimar uma segregação baseada no nada.

Depois do emprego deturpado da teoria do domínio do fato, da utilização de uma mensagem eletrônica de quatro anos atrás (que nem foi o paciente quem mandou e que Vossa Excelência mesmo reconheceu que precisa ser mais bem investigada), e da transformação da presunção de inocência e do exercício do direito de defesa em causas de encarceramento, era mesmo de se imaginar que houvesse uma busca por algo que disfarçasse a colossal ilegalidade da custódia de MARCELO.

Polícia e Ministério Público Federal engajaram-se na missão com afinco, e para tanto deixaram a razoabilidade de lado.

O Parquet adotou estratégia tão clara quanto intolerável: tudo que surgisse relacionado a qualquer executivo de empresas do grupo Odebrecht seria, automaticamente, imputado também ao requerente. Por tudo, leia- se tudo mesmo – desde documentos velhos de autenticidade duvidosíssima, engavetados para serem usados a conta-gotas, até uma artificiosa correlação entre telefonemas e depósitos bancários lógica e cronologicamente estapafúrdia, e sempre sem qualquer liame com MARCELO.

A Polícia Federal não ficou atrás. Chegou mesmo a violar o sigilo da comunicação entre o preso e seus advogados, transformando um bilhete com tópicos para a discussão de Habeas Corpus – entregues aos defensores por um agente penitenciário, depois de ter sido a ele passado pelo requerente! – em uma esdrúxula ordem voltada ao cometimento do que seria o mais impossível dos crimes: destruir fisicamente aquela mesma mensagem eletrônica, há muito estampada no relatório policial, no decreto prisional e em dezenas de páginas de internet Brasil afora.

Já em despacho do último dia 21, Vossa Excelência instou a defesa a se pronunciar sobre o novo capítulo da tentativa de coonestar a prisão do peticionário. Dessa feita, a autoridade policial apresentou, em anexo ao Relatório Parcial do Inquérito 5071379-25.2014.4.04.7000, um relatório de análise de notas contidas em telefone celular apreendido na residência do requerente.

Em seu afã de incriminar MARCELO a todo custo, a Polícia Federal nem se deu ao trabalho de tentar esclarecer as anotações com a única pessoa que poderia interpretá-las com propriedade – seu próprio autor. Ao reverso, tomou desejo por realidade e precipitou-se a cravar significados que gostaria que certos termos e siglas tivessem.

E, mais uma vez, transformou as peculiaridades do processo eletrônico em sua aliada na tática de atirar primeiro e perguntar depois. Sabedora de que a livre distribuição de chaves eletrônicas tornou os processos da Lava Jato uma espécie de reality show judiciário, a polícia lançou no mundo as anotações pessoais de MARCELO e as tortas interpretações que deu a elas, e aguardou que fossem quase instantaneamente noticiadas como verdades absolutas.

Houvesse tido a cautela que sua função exige, e a Polícia Federal teria evitado a barbaridade que, conscientemente ou não, acabou por cometer: levou a público segredos comerciais de alta sensibilidade em nada relacionados aos pretensos fatos sob apuração, expôs terceiros sem relação alguma com a investigação e devassou mensagens particulares trocadas entre familiares do peticionário, que logo caíram no gosto de blogs sensacionalistas.

(…)

Todavia, a inobservância injustificada da contagem de prazo do processo eletrônico para a defesa se manifestar, bem como a iniciativa de Vossa Excelência – estranha ao sistema acusatório que vigora em nosso país – de dragar documentos de inquérito que estava com vista ao Ministério Público Federal para oferecimento de denúncia já faziam prever o que viria.

Um dia depois de conceder o prazo que se esgota na data de hoje, Vossa Excelência não esperou os esclarecimentos da defesa para decretar de novo a prisão do peticionário, com fundamento exatamente naquelas anotações sujeitas à interpretação!

Escancarado, desse modo, que a busca da verdade não era nem de longe a finalidade da intimação, a defesa não tem motivos para esclarecer palavras cujo pretenso sentido Vossa Excelência já arbitrou.

Inútil falar para quem parece só fazer ouvidos de mercador.