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Pedro Bial: “A relação entre a Globo e o Brasil está longe de ser tranquila”

Do ElPais:

Assim que recebeu o pedido de entrevista deste jornal, o apresentador global Pedro Bial disse à sua interlocutora: “Por que será que eles querem me entrevistar?”. Aos 59 anos, o jornalista carioca trabalha há mais de 30 anos na rede Globo, a maior emissora do Brasil – “já sou móveis e utensílios de lá”, diz, brincando, se comparando aos patrimônios materiais devido ao tempo de casa. De fato, é uma das referências na equipe da Globo. Chamada de golpista por militantes da esquerda, e comunista por simpatizantes da direita, a empresa na qual Bial trabalha desde 1981 é hoje um dos maiores símbolos da polarização política vivida no país. Não à toa, se vê no meio do fogo cruzado, sendo alvo da cisão ideológica na qual o país se encontra. “Eu ponho coisas nas redes sociais falando do programa e elas são interpretadas pela direita como se eu fosse um perigoso esquerdista, e pela esquerda como se eu fosse um fascista”, conta. As quase duas horas de entrevista em uma padaria em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, mostraram que Pedro Bial tem muito a dizer.

O ódio na internet faz com que o apresentador prefira ficar distante das redes sociais. “Eu não tenho estrutura emocional e imunidade para frequentar as redes”, afirma. “Eu já fui ameaçado de morte muitas vezes. O cara diz que eu sou esquerdista e eu não sou. Mas caguei também se eu sou ou não sou”. Por isso, não tem Facebook e não usa sua conta no Twitter. Mas menciona as páginas que divulgam pensamentos atribuídos à sua autoria, que, na verdade, não são dele. “A internet tem essa coisa que me dá um nervoso enorme que são frases e frases e frases atribuídas a mim, mas nenhuma é minha. E aí eu cheguei a ter crise de identidade, porque eu que era o falso. O verdadeiro eram os outros”, diz, rindo, enquanto coloca água com gás no café. “É para esfriar”, explica. “Ih… você já tá percebendo as minhas manias?”.

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Na grade da emissora desde maio deste ano, Conversa já contou com personalidades das mais variadas áreas. Do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, passando pelo escritor israelense Yuval Harari, a presidenta do Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia, e o general Eduardo Villas Boas, atual comandante do Exército brasileiro,. E, claro, atores globais e cantores com a dupla sertaneja César Menotti e Fabiano. “Eu não frequento as redes sociais, mas fico com o meu ouvido ligado na maioria silenciosa, que é quem ainda decide a audiência na tevê aberta”, diz. “A vitória do Trump, o Brexit, a eleição do [prefeito de São Paulo] Doria, foi a maioria silenciosa [quem decidiu]”.

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(…) “A relação entre a Globo e o Brasil está longe de ser tranquila. É uma relação que espelha as nossas tensões entre o grande capital e o Estado. A Globo é a catedral da iniciativa privada brasileira”. Reconhece que a emissora vem passando por mudanças, e diz que já presenciou “algumas eras” da empresa.

Neste momento, a companhia está lidando com questões envolvendo racismo e assédio. No mês passado, afastou o apresentador estrela do Jornal da Globo, William Waack depois de vazar um vídeo em que ele faz comentários racistas. Em abril, teve de fazer outra gestão de crise depois que veio à tona casos de assédio sexual provocados pelo galã da emissora, o ator José Mayer. Na época, as funcionárias da emissora se organizaram para se manifestar em solidariedade à vítima, a figurinista Susllem Tonani. Diante dos fatos, o apresentador prefere ponderar. “Eu não me considero um cara feminista”, diz. “Estou com as mulheres, mas acho a última onda do feminismo muito radical. Mas também reconheço que a emancipação feminina libertou inclusive a nós homens, significativamente”, fala, pedindo para se explicar. “É muito difícil ser mulher, historicamente. Você entende por que é preciso existir um dia internacional da mulher, mas eu tenho dois filhos e sei o quanto é difícil ser homem, ser, por exemplo, viril, sem ser grosseiro”.