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Um relato da desocupação da favela da Oi

Abaixo, um relato da desocupação da Favela da Oi, no dia 18 passado. O autor é Daniel Bustamante Teixeira, mestrando da UFRJ.

“Na calçada perto da prefeitura havia colchões, roupas, sacolas, cobertores, baratas, garrafas de água e restos de comida. As crianças e a maior parte dos adultos dormiam. Outros ficavam acordados, conversando baixo ou fazendo fotos. Pelas duas da manhã chegaram quatro vans da assistência social. Acordaram os ocupantes supostamente para lhes oferecer um abrigo, ao mesmo tempo em que os ameaçavam. Apesar da pressão não saíram, como nos outros dias. ‘TELERJ resiste!’

Ao fundo, ainda distantes, policiais da guarda municipal com armaduras, escudos e cassetetes formaram uma linha pronta para avançar. ‘Na noite passada fizeram a mesma coisa’, alguém disse, ‘é só pra fazer um terror psicológico’. Silêncio. Passa um tempo e chegam dois carros da choque, e vemos numa rua transversal os homens de preto vestirem suas máscaras e escudos, também eles entrando em formação.

Quando avançaram os policiais da GM voltamos correndo e formamos uma linha protegendo a ocupação, todos com braços dados. Por alguns minutos ficamos frente a frente com os policiais e seus escudos, e tentávamos ainda conversar: ‘tem criança aqui vocês sabem?’. Logo eles receberam uma ordem e avançaram em direção aos resistentes com pauladas e empurrões. Não houve bombas nem gás, mas sobraram truculência e covardia. Resistimos e apanhamos. No fim pegamos o que conseguimos e fugimos rumo à Presidente Vargas.

Pouco antes da fuga me impressionou uma cena: um homem carregava o filho ainda pequeno no colo e explicava ao menino, a seu modo, o que acontecia em volta: ‘Tá vendo ali à direita meu filho, esses de amarelo são a prefeitura fudendo a gente. Porque eles não querem que a gente fique aqui, e não querem arrumar uma casa pra gente. Aqui à esquerda, esses de preto, tá vendo meu filho? Os de preto são o estado também fudendo a gente… E tá vendo ali na frente, meu filho? Ali são os repórter, mas nessa hora eles não filmam não! Filmam quando é pra falar que a gente é bandido’.

Já na Cidade Nova, onde paramos para decidir os rumos da ocupação, voltam as vans da assistência social e os policias. A reação foi imediata: muitos correram em direção às vans e encheram-nas de chutes, botando para correr os assistentes sociais. Mas que brincadeira de mau gosto! Primeiro expulsam os moradores de um prédio abandonado há anos; depois oferecem a eles abrigo sem nenhuma garantia de moradia; depois batem mais e expulsam da rua; aí voltam e oferecem de novo o abrigo. Até quando? Vibrei com a reação e com os chutes. Resistíamos ainda. Os policiais ameaçaram uma nova investida, e por fim decidimos ir caminhando até a Catedral Metropolitana, pensando que seria um bom lugar para descansar e repor as energias. Estávamos todos exaustos afinal.

Caminhamos cerca de 60 pessoas pela Presidente Vargas e Avenida Passos, carregando nos braços o que sobrara dos pertences da ocupação. Chegamos na Catedral quase ao amanhecer, e lá, enfim, descansamos. Pela manhã muitos ainda dormiam, e as crianças brincavam satisfeitas com seus aviõezinhos de papel.”

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