“Estamos cansados, mas não mortos”: Marcia Rosa, prefeita de Cubatão, fala sobre golpe ao DCM. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 22 de julho de 2016 às 19:25
Marcia
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Marcia Rosa de Mendonça Silva tem 57 anos, é professora e prefeita pelo PT de Cubatão, no litoral paulista, desde 2009. Com dois mandatos consecutivos, foi a primeira mulher a assumir o cargo na cidade.

Alguns de seus eleitores afirmam que ela fez a melhor gestão educacional municipal no litoral, principalmente se for comparada com as gestões de Santos, São Vicente e Praia Grande. Marcia também manteve fidelidade ao PT durante toda a sua carreira política, diferente da prefeita Maria Antonieta de Brito, ex-petista que entrou no PMDB para ganhar as eleições no Guarujá.

A prefeita, no entanto, foi denunciada por supostos crimes de responsabilidade fiscal do município, criação de funções sem aparo na Câmara dos Deputados e propaganda eleitoral antecipada na campanha de reeleição em 2012 de Cubatão.

O principal adversário de Marcia Rosa é um pastor chamado Ualton de Simone, da ONG “É Forte Brasil”, que disse ser autor de uma proposta de redução de salários da prefeita e de funcionários públicos. Para o religioso, Marcia teria se apropriado do projeto para reduzir a queda de sua popularidade com o desemprego na região.

A briga resultou num pedido de impeachment acatado pela Câmara dos Deputados em 1º de junho. Na semana seguinte, a revista Veja São Paulo fez uma suposta reportagem sem assinatura denunciando Marcia Rosa de ter destratado um morador de Cubatão.

Ela teria dito que “nunca precisou do voto” de um cidadão num protesto contra a falta de empregos.

Mesmo com os ataques da mídia local e nacional, Marcia Rosa retomou o cargo com uma liminar do Tribunal Superior Eleitoral divulgada em 1º de julho. A medida salvou o mandato da petista, que termina no final de 2016.

Após sobreviver ao pedido de impeachment, Marcia escreveu um texto chamado “A democracia agoniza”, divulgado no dia 12 deste mês. Nele, a prefeita defende a luta contra o processo de impedimento que será decidido sobre o mandato de Dilma Rousseff em agosto.

O DCM procurou Marcia Rosa para explicar como ela milita contra o golpe e como foi sua sobrevivência ao impeachment.

DCM: O que a senhora acha da atual situação do golpe em curso?

Marcia Rosa: A democracia agoniza. Passado esse tempo desde o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, o país se mantém paralisado. A demonização sistemática da política e a execração estratégica da esquerda pela mídia convergiram para esses tempos de desencanto em que uma mulher honesta, julgada e condenada por uma maioria de notórios corruptos, é mantida longe do poder conferido por mais de 54 milhões de brasileiros e de brasileiras.

Não houve pedaladas fiscais, nem muito menos crime de responsabilidade, requisito constitucional para o processo de impeachment. Houve um golpe, o que o mundo inteiro já sabe e repete, menos a nossa mídia. Ela é ridiculamente parcial, mas ainda capaz de formar almas e corações, infelizmente.

DCM: Como o golpe repercutiu em Cubatão? A senhora enfrenta fogo cruzado dos opositores?

MR: Cubatão foi uma das últimas cidades do Brasil a retomar seu direito democrático de eleger seus representantes. Considerada como área de Segurança Nacional, após a volta da democracia em 85, seu povo continuou votando nos “prefeitos interventores” por mais de 20 anos. O ciclo do resquício da ditadura não foi rompido nem em 2000, quando foi eleito meu antecessor. Ele não assumiu o cargo de prefeito na ditadura, mas foi secretário dos governos biônicos.

Mas Cubatão também foi a primeira cidade do Brasil que se industrializou. Ou seja, foi aqui que o país se estruturou para deixar de ser um país rural e transformar-se numa nação industrial e competitiva.

Esse cenário colocou a esquerda, através do Partido dos Trabalhadores, como o primeiro governo no processo de redemocratização do País.

O Partido dos Trabalhadores teve seu primeiro diretório em São Bernardo do Campo, mas o segundo foi aqui em Cubatão.

Estamos governando a cidade desde 2009, com a maior votação da história. Fomos reeleitos em 2012 com praticamente o mesmo percentual de votos: 55,4% dos votos válidos.

E o que é liderar um governo do PT numa região composta por nove municípios, três deles governados pelo PSDB, DEM e PMDB, numa região de mais de dois milhões de habitantes? O litoral é muito conservador.

Em 2012, elegemos oito dos 11 vereadores na Câmara, mas setores privados se envolvem muito diretamente com os vereadores. Somos rodeados por cidades governadas pelos tucanos, que interferem e apoiam a oposição cubatense. O trabalho deles é “quanto pior, melhor”.

DCM: Como a senhora enfrentou processo de impeachment em Cubatão?

MR: Não posso ter sido ao mesmo tempo a melhor gestora da história da Cidade no meu primeiro mandato e agora ser acusada de destruir a cidade, certo?

Existe uma profunda crise econômica. Essa fragilidade abre espaço para provocações bizarras. Quando vereadora, enfrentei quatro tentativas de impeachment. Até um simples artigo meu no jornal era considerado quebra de decoro parlamentar.

Ultimamente, tenho sido denunciada por ter cachorros abandonados nas ruas, por gravidez precoce de adolescentes e até por não realizar um desfile de escolas de samba.

A crise econômica atingiu Cubatão de uma forma mais dramática, muito cruel em relação aos demais municípios. Nossa cidade cresceu em volta do Polo Industrial, sobretudo da Petrobras (Refinaria Presidente Bernardes) e da Usiminas (antiga Cosipa). A primeira está praticamente parada devido às investigações da Lava Jato, que é fundamental para o país, mas que precisa ser apartidária e garantir que a companhia não seja prejudicada pela ação individual de alguns.

Temos trabalhado nos últimos anos para diversificar as nossas fontes de arrecadação, investindo no desenvolvimento do comércio de serviços, no turismo, dentre outras atividades. Estamos mantendo um bom diálogo com a nova direção da Usiminas, que está trabalhando para reativar a unidade cubatense. O desemprego, que atinge não só Cubatão, ser um dos itens do pedido do meu impeachment é, no mínimo, esdrúxulo.

DCM: E as acusações de que a senhora é corrupta no Ministério Público?

MR: Com relação ao MP, eles encaminham em média quatro ofícios por dia e iniciam diversos inquéritos, boa parte deles motivados por denúncias sem qualquer base de prova. Gastamos e monopolizamos todo governo para responder a uma imensidão de documentos infundados protocolados por opositores, mas revestidos pelo anonimato.

A oposição é saudável e fundamental numa democracia, desde que exercida com respeito e compromisso público. Infelizmente, não é o que temos visto aqui. Mentiras, calúnias e toda sorte de ofensas têm sido a regra, inclusive com panfletos apócrifos incentivados pelos que perderam privilégios durante o meu governo.

DCM: Veja São Paulo publicou que a senhora disse a um morador de Cubatão que “nunca precisou” do voto dele. A publicação exagerou?

MR: Esse episódio mostra bem como a Veja se tornou um panfleto político, um fantasma do que já foi. Um dia ela já foi uma grande revista. O episódio ocorreu durante um protesto de desempregados em frente ao Ciesp Cubatão, enquanto discutia com empresários caminhos para gerar mais empregos para cubatenses.

Num momento mais descontraído, um trabalhador, meu amigo de décadas e meu eleitor, pronunciou essa fala e respondi no mesmo tom. Minha amizade é com ele e toda família. Enfim, respondi num tom descontraído, tal como uma professora e seu pupilo.

Enquanto a oposição manipulava o vídeo, recebi da Refinaria Presidente Bernardes a informação de que a reunião conseguiu viabilizar 3500 vagas para serviços de manutenção para Cubatão. Aliás, logo em seguida à discussão do vídeo, o manifestante em questão se desculpou e até gravou um vídeo sobre nossa longa história de luta e retomamos a discussão de ideias. Esse trecho, curiosamente, não foi mostrado.

Em comparação, a presidente Dilma sofre muito mais do que eu na imprensa. O companheiro prefeito Fernando Haddad enfrenta problemas parecidos em São Paulo. Mas a máquina tucana é muito forte na Baixada Santista. Um exemplo é um jornal que circula em Cubatão somente em períodos eleitorais, editada por um ex-diretor da Sabesp e do CDHU que conta com anúncios de página inteira do governo do estado. Coincidentemente, o foco das matérias é extremamente crítico à minha gestão, além de elogiar o Palácio dos Bandeirantes e seus políticos na cidade.

DCM: Falta uma guinada à esquerda do PT?

MR: Sou uma esquerdista por convicção. O PT cometeu desvios graves, que estão sendo corrigidos. Acredito que o presidente Rui Falcão está atento aos problemas dos últimos anos e que o partido está num momento de renascimento, se reconectando às suas origens de esquerda combativa. Sou uma soldada do partido e acredito que o PT ainda tem muito a contribuir com o Brasil.

DCM:  Se o golpe se consumar em agosto, o que devemos fazer?

MR: Resistir e lutar sempre. A democracia precisa de vigília constante. Ainda tenho a esperança de que o golpe não se consumará. Até a votação no Senado, temos muito trabalho a fazer, mobilizar nossa militância e as forças democráticas, além de apelar aos diversos senadores que tendem a mudar seus votos.

Cinco ou seis votos a mais garantirão a democracia e mostrarão ao mundo que o Brasil tem um sistema político sério e uma república consolidada. Aqui em Cubatão, lutarei até o fim para que a vontade popular seja respeitada. Espero em 1º de janeiro entregar uma cidade melhor a meu sucessor, que seja mais justa, mais humana.

Agradeço o espaço de vocês no DCM e valorizo a comunicação livre. Estamos todos muito cansados, caçados e cassados. Mas não estamos mortos. E não sabemos morrer em vida! Somos de luta porque acreditamos no Brasil e gostamos de toda essa gente.