“Eu gosto de futebol e, por isso, odeio a Fifa”: Inauê Taiguara, estudante preso na USP, fala ao DCM

Atualizado em 9 de novembro de 2014 às 10:26
Inauê é detido na USP
Inauê é detido na USP

 

Inauê Taiguara é magro, calmo e dono de um tom de voz que dificilmente fica alterado. Tinha cabelos longos e encaracolados antes que eles fossem cortados pela PM de São Paulo. Aos 24 anos, ele conheceu para valer o Movimento Passe Livre (MPL) desde os 16.. Participou ativamente dos principais protestos que deram origem às Jornadas de Junho.

No dia 13 de novembro de 2013, Inauê foi preso durante a reintegração de posse da reitoria da USP. Foi detido junto com o estudante de filosofia e funcionário da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) João Vitor Gonzaga. Eles não estavam dentro da reitoria. Os dois estavam organizando uma festa na Faculdade de Filosofia da USP (FFLCH) com ajuda do Centro Acadêmico do curso (CAF). 

Inauê não tem conta no Facebook e prefere utilizar email para conversar. O DCM o entrevistou para falar do MPL, sua prisão na USP em 2013, os protestos e a Copa do Mundo.

Como funciona a mobilização horizontal do MPL, sem lideranças?

A falta de partidários fixos faz com que muitos tomem a luta como realmente sua. Os integrantes do MPL participam de maneira mais apaixonada. A representação sozinha implica em responsabilidade. A horizontalidade é a maneira mais democrática para discutir esse tipo de responsabilidade. Não ter uma representação fixa aumenta a necessidade de confiar na atuação conjunta, preferencialmente por consensos. Há um mito de que essas discussões não atendem à velocidade dos momentos políticos exigem. No entanto, alguns relatos no MPL revelam que muito pouco se conhece de fato sobre a história de movimentos horizontais ou libertários.

Por que as manifestações das Jornadas de Junho não cessaram?

A luta que resultou na revogação do aumento das tarifas por todo o Brasil mostrou a possibilidade de vitória frente às decisões governamentais, o que a meu ver fez lembrar a todos que o poder é do povo. Uma vez que se reconheceu publicamente a repressão da polícia aos atos, de algum modo também ajudou que pessoas que não iam às manifestações fossem. Mas isso já passou. Agora, as manifestações continuam acontecendo porque os ataques aos direitos sociais continuam ocorrendo com base na repressão.

Como está o processo após sua prisão com o João Vitor em novembro de 2013?

A juíza verificou que não havia prova para sustentar nenhuma das acusações feitas na época, que foi depredação do patrimônio, furto qualificado – sendo que não acharam nada conosco –, e formação de quadrilha. Eu tinha conhecido o João Vitor na festa da Filosofia, naquela noite. A nossa prisão foi considerada ilegal, mas nossos nomes constavam no B.O. e ficamos sendo considerados suspeitos. O próprio Ministério Público pediu o arquivamento desse caso tão absurdo, mas estávamos esperando a confirmação do arquivamento. Soube em junho deste ano que o inquérito foi arquivado.

Quais foram os piores momentos de sua prisão? 

Nós fomos escondidos da população, dos estudantes e dos jornalistas por cerca de quatro horas naquele dia, entre 5h e 9h da manhã. Só soubemos disso depois, ao ver que a polícia negou nossa prisão, para depois falar que tinha detido dois ciclistas e só no fim revelar que éramos nós. Diziam que não tinham detido ninguém. Depois disso, foi horrível estar no ônibus, sem poder olhar pela janela e sendo constrangido moralmente. Sofri agressões físicas e tive meu braço torcido, além de ter tomado um soco na barriga. Batiam e ameaçavam sempre que perguntávamos os motivos da prisão. Eles nos impediram de ir ao banheiro. A brutalidade do Estado é terrível.

É barra ver que um delegado acusar duas pessoas que nem se conheciam 24 horas antes de formação de quadrilha, crime inafiançável. Não havia nenhuma prova material além do que foi dito por dois policiais que assinaram a nossa condução, e teve uma ordem superior para fazer isso.

Ficamos presos por mais de um dia, até às 18h da noite seguinte. A transferência durante a detenção foi marcante, porque os policiais civis tentaram jogar os outros detentos contra nós. Diziam que, se nós fizéssemos qualquer movimento que não fosse estar de cabeça baixa e entrar no camburão, todos iriam apanhar quando chegássemos ao CDP. Ainda no camburão, ao entrarmos no Centro de Detenção Provisória (CDP), ficamos cerca de 30 minutos parados no sol porque chegamos no horário do almoço. Deixaram a porta do camburão fechada, para ficar ainda mais quente, sendo que não havia nenhuma janela e estava lotado. Éramos cerca de umas 16 pessoas. Estes foram alguns momentos de sofrimento durante a minha prisão.

As pessoas podem acreditar que não serão presas arbitrariamente pela PM paulista?

Para o olhar adestrado do policial militar, ou você é criminoso, ou é suspeito, ou é vítima. Acho que só não acreditam na prisão aqueles que se imaginam constantemente na posição de vítimas. Qualquer pessoa que se engaja por uma sociedade mais justa sabe o que isso pode custar. Agora, fora da esfera de luta política, a criminalização da pobreza rola solta e pessoas, mesmo sem envolvimento político algum, podem sofrer prisões arbitrárias.

Os policiais são despreparados?

Despreparados para quê? Estão muito bem preparados para reprimir as lutas sociais, aumentando a criminalização da pobreza. O corporativismo da PM impede que esta instituição realmente possa exercer o poder de policiamento que uma sociedade civil e democrática demanda. Trata-se de um legado da ditadura do qual ainda não nos livramos.

O que você pensa sobre a Copa do Mundo?

Eu gosto de futebol e, por isso, odeio a Fifa, que tornou o esporte um negócio muito lucrativo. O futebol no Brasil é uma coisa visceral, e tenho certeza que o resultado da Copa vai influenciar o ânimo nacional no segundo semestre. O legado mais positivo que esta Copa do Mundo pode trazer para as mobilizações populares é, a meu ver, o reconhecimento de que ela foi feita a custos altíssimos, sociais.

Quero que, quando a gente lembrar da Copa, as pessoas se recordem das remoções e da morte dos nove funcionários nas construções dos estádios, para que ela ganhe um significado além de um campeonato. E é curioso como a brutalidade da PM se revelou mais diante das câmeras de jornalistas internacionais que estão aqui por conta da Copa.